quarta-feira, março 14, 2012

Hoje é dia da poesia

Hoje é dia do verso curto,
Da palavra alongada, da estrutura
Alexandrina, do verso sem rima,
Da garota que suspira lendo
A minha querida poesia.

domingo, março 11, 2012

Desconcertante

É o olhar que desvio,
É o olhar que concentro,
É meu olhar perdido
E meu olhar despedido.

São meus olhos que brilham
E até quando ficam úmidos.

É meu rosto instável,
Que chora e sorri,
Que vive.

Samba fossa

Com gingado, improviso,
Eu lamento e canto uma
Alegria mínima, enquadrada
Na batida dos bumbos,
Meu samba fossa, meu amor
De pandeiro.

terça-feira, março 06, 2012

Ouço Carinhoso

E sei porque meu coração bate,
Assim, feliz, quando te vê.

Ele não crê na beleza que escapa
E oferece desejo, procura de olhares.

quinta-feira, março 01, 2012

O desconforto da prosa

É não conseguir preencher toda a sua lógica lacunar por palavras que devem ter seus significados aplicados em uma salada salpicada por sujeitos, objetos e predicados bagunçados, trucidados pelo seu pensamento pouco fluído, clichê e vulgar.

2112

Saí um pouco do formato de poesia.


Este é um conto baseado na letra de “2112” da banda de rock progressivo canadense Rush. Eu tive a idéia de fazer uma história com a canção depois de ler um conto do escritor e tradutor Fábio Fernandes, criado a partir de uma música dos Beatles.


Acho que ele precisa de mais correções, ainda.


Espero que apreciem as referências e uma história simples baseada em uma letra complexa de ficção científica.

“What can this strange device be? 
When I touch it, it gives forth a sound 
It's got wires that vibrate and give music 
What can this thing be that I found?”

Neil Peart, da banda Rush

Olhava o céu, sempre. Seja com sete, quinze ou vinte e cinco anos. Tinha uma dificuldade enorme em manter os olhos nesta realidade, no concreto e desperto. Não sabia por que era tão desligado. Sentia-se comum, pequeno, mas contemplando algo maior.

Sua casa era um quebra-cabeça vivo: Haviam brinquedos de seu irmão que partira em cantos de cômodos, fotografias encaixotadas, folhas amareladas, livros com mofo acumulado e fitas cacete podres. Ele gostava dessa atmosfera de estranheza, embora vivesse apenas com a mãe. “Era como se aquelas tralhas trouxessem imediatamente a presença do pai e do maninho que estavam em outra casa”.

A tara dele, então, era fuçar e derrubar o que pudesse quando a mãe ia fazer compras. Se o imóvel era um labirinto, ele havia de chegar até o seu fim, solucionando seu mistério. Desenvolveu, sozinho, um ímpeto natural de desafiar o que lhe parecia inalcançável.

Subiu na estante, derrubou os livros, deixou a televisão na ponta do móvel e transformou a casa em uma anarquia compulsiva e cumulativa, volumosa em caixas, objetos e fotografias espalhadas. Cavou e cavou nas lembranças até chegar num caixote negro, de couro, bem espesso.

Observou as travas de metal. Tentou abrir com força. Sem sucesso.

Observou novamente – com mais atenção – e enxergou como mover a alavanca para abrir a tranca. Um dedo na superfície áspera movimentou tudo. Ouviu um estampido baixo e a caixa retangular abriu.

Havia um violão velho, com trastes oxidados, dentro do recipiente. Tirou, com a maior curiosidade, aquele objeto com corpo ondular e braço estreito. Queria saber por que aquilo estava ali, de quem era, por que estava tão escondido e, acima de tudo...

...Se ainda era possível fazer alguma música com suas cordas.

Abraçou a viola e passou os dedos pelas duas cordas mi, sem tocar nas outras. Brincou com o sol, puxando outras notas de suas casas. Tentou formar alguns acordes simples. Tentou tracejar tocando três cordas. Bateu com os dedos para emitir novos sons. Fez algo desarmônico, desajeitado, despretensioso, mas com sua beleza própria.

Então, aos poucos, mais e mais notas começaram a se formar de suas finas mãos. Cinco minutos depois, com o violão em mãos, músicas começaram a se formar em sua mente, e a surgir involuntariamente do movimento de seus braços. Batidas abafadas se somaram a escalas executadas de forma limpa. Para completar a composição, acordes limpos tiravam seu próprio fôlego.

Não sabia o que estava fazendo. Mas, naquele momento, nada mais importava. A sala, a bagunça e o labirinto pareciam ter desaparecido por completo. Não havia mamãe, papai, irmão ou qualquer rosto conhecido. Somente cordas, sons e o seu coração, que palpitava e não queria mais parar.
A música não queria que ele parasse.

O som começou a crescer, a se encher, a brotar com cada ligação entre notas, acordes, frases e improvisações. O som do violão passou a mudar. A cor do corpo do instrumento avermelhou, sua madeira endureceu e, por fim, o braço começou a afinar. O fundo oco começou a se preencher. Captadores, lentamente, surgiram sob as cordas. E a música nunca parou.

E as cordas ficaram endurecidas, brilhantes, metálicas.

O menino então sentiu o peso da guitarra elétrica que se formou em sua composição e, com uma rapidez que ele próprio desconhecida, acionou a amplificação elétrica, rasgando e preenchendo toda a sua melodia.

Com acordes simples, gerou pequenas explosões com seu instrumento. Puxando as cordas sem dó, alcançou notas agudas, acompanhadas por um som grave que aveludava o retorno do som. Era como uma orquestra de seis cordas, um arranjo brotando do puro contato entre homem e objeto.

E, no ápice de harmonias e de dissonâncias, veio o silêncio.

Ele não estava mais em sua casa. Sequer reconhecia seu próprio corpo ou seus cabelos. A franja cobria-lhe a face. Os longos frios tapavam seus ouvidos.

A música metamorfoseou o menino.

Suas memórias se embaralharam. Já não era um jovem, era um homem de trinta anos, armado com sua guitarra elétrica com amplificador embutido. Austero e cabeludo. Com um gosto amargo na boca e nos pensamentos.

Prendeu a guitarra em uma correia de couro forte, apoiada no ombro. Caminhou para sair da gruta úmida em que se encontrava. Visualizou feixes de luz de um dia maravilhoso fora da caverna, apesar de seu humor difuso, inócuo, vazio.

Caminhou e caminhou.

Desceu a colina após a entrada da caverna. Não havia mais nada plano. Se largasse seu corpo, era queda livre: Morreria só de rolar em uma ladeira sem fim. Pacientemente, um pé por vez, fez o longo caminho. Chegou, enfim, na única cidade humana que se encontrava após o fim da colina e dos campos abertos que circundavam todo o ambiente aberto. Chegou na cidade das cidades.

Sua memória refrescou, no trajeto. A guitarra esteve, todo o tempo, trancafiada na gruta, escondida da civilização. Reprimida, perseguida. Instrumento escondido de tudo e de todos.

Uma perna por vez, enquanto o sol se perdia no horizonte. Perto da cidade das cidades, o clima começou a obscurecer perto do portão. Não precisou sinalizar para entrar. Pé ante pé, entrou na outra escuridão do mundo: A sociedade.

Misturou-se com os humanos socados nas calçadas, com os carros voadores que entupiam o céu coberto da cidade das cidades e até com o cheiro de gás e poeira emitido pelos geradores de energia elétrica. Poluiu-se. Destemido, andou com sua guitarra nas costas, sem se confundir com todos aqueles homens.
Sem se uniformizar com todos aqueles iguais.

Continuou seu trajeto até o centro, tirando a guitarra elétrica das costas e segurando-a pelo braço. Apertou as cordas. Apertou o passo. Sabia que era a hora e o lugar.

Chegou ao ponto zero da cidade das cidades, onde a poeira era mais densa, onde o palavreado era mais sufocante. O centro do buraco. O buraco do ninho. O berço humano sem nenhum contato mínimo, apesar dos esbarros ocasionais em algum pedestre. E o esforço para desviar de naves e carros.

Com a guitarra nas mãos, abraçou o corpo e puxou a correia. Formou um ré menor com a mão direita e dedilhou de baixo para cima, ascendente. Saturou a distorção e aumentou progressivamente o volume. Escancarou acordes cheios emendados com notas soltas. Executou bends, pulou cordas e cobinou do jazz ao puro rock´n´roll.

Sem fazer nada, seu amplificador estourou. Os ouvidos dos presentes estouraram. Os guardas surgiram. “Objeto não autorizado! Objeto não autorizado! Repreenda! Repreenda!”. Os robôs e os guardas tentaram derrubar seu corpo e destruir sua música.

Mas a música não interrompeu. Eram seis pares de mãos puxando suas costas, com cacetetes acertando seus joelhos. Sentiu a febre atingi-lo, misturado com o cheiro de mofo e ferrugem da cidade das cidades. Sentiu seu corpo se render, mas sem parar com o solo na escala de lá. Ouviu as cordas estourando, com a música ainda subindo.

Naquele mundo, era proibido fazer arte, sentimento. Isso era coisa de mártires.

***

Acordou socado entre a poeira de sua casa, de volta ao corpo de menino, com o violão ao lado. Ouviu a mãe abrindo a porta. Abraçou a viola. Todas as seis cordas.