domingo, julho 26, 2009

Sobre o silêncio (e outros)

Dedicado a Priscila de Mello Jordão

Falam que o contato é o mais sublime dos sentimentos. Mais importante do que expressar, é a informação trocada, os sentimentos e as compreensões geradas em conjunto. Coletivos inteligentes. Anizades. Grupos. Interação. Casais. Pais e filhos.

Manifestar alguma coisa não é apenas botar em palavras, nem em gestos. Tudo significa alguma coisa, seja por intenção ou apenas pela inércia de qualquer atitude. Pode não ter o sentido que você compreendeu, mas tem uma associação simples. Ou mais complexa.

O silêncio é outra atitude que comunica. Não são poucas pessoas que dizem que ele resolve situações. Menos ainda aquelas que dizem que o distanciamento é a resolução de muitos embates que não podem ser resolvidos no momento. Silêncio e tempo são abusados de seus significados.

Em música, em teoria musical, silêncio é um intervalo de notas que, agregadas em conjunto, gera o sentido da música. Pode ser entendido por outra palavra: pausa. No entanto, só faz sentido dar uma interrupção brusca se existem palavras entre cada silêncio.

Tudo comunica. Então, valorizar demais as palavras seria subestimar o valor delas. Seria achar que berros valem a pena, quando são tribais. Por outro lado, valorizar o silêncio é morrer corroído pelos seus próprios pensamentos. Morrer de ego. Não existem tempos que resolvem o problema de uma vida, e muito menos pausas que solucionam problemas de melodias. A música se resolve. O processo é o todo de uma obra, não o final. A comunicação deve rolar como ela quer: pela vontade das pessoas envolvidas.

Se você espera um silêncio que acabe com todos os males ou uma palavra que dê a salvação para toda a disarmonia, é melhor morrer tragado pela impiedade do tempo. É melhor morrer de esperança. Eu sinceramente não me categorizo nesse quesito. Quem domina seu tempo, normalmente decide suas atitudes. Eu não tenho esperanças.

Acho que só tenho duas mãos, dois olhos,
Um silêncio perpétuo de muitos, o ruído cativante de outros.

sábado, julho 25, 2009

A transada perfeita

Não foi traçada na história dos homens,
É a fornicação que foge da visão comum,
São corpos sobrepostos, sorrisos dispostos,
E nenhuma lembrança além dos gemidos.

É um filme pornô sem história,
Sem televisão, sem memória.

Fala interminável

Só ocorre no seu lamentável estado
De não querer ouvir, no devir
Da comunicação, espaço
Fechado, cada um
No seu quadrado.

Não ter o que dizer

John Milton Cage transforma em obra de erudita arte,
Meninas tímidas transformam em charme,
Escritores prolixos trasnformam em numerosas páginas de destaque,
Oradores pensam que é um excelente intervalo no palanque.

Eu fico na gagueira, no medo,
E é justo o momento que quero dizer
Tudo.

Cruzada Libertadora

Busca pelo conhecimento,
Arrependimento de informação errada,
Contentamento na carteira, na anotação amassada,
Carteira vazia no emprego, desespero da falta de mesada.

Abandono das faculdades,
Dos mestres e das felicidades
Fantasiadas, vestidos
E disfarces.

Quero cortar a barba do professor,
Raspar sua autoridade, seu caráter opressor,
Esmagar seu livro, seu nariz franzino,
Sumir com sua lousa, com o quadro
Que será quebrado
Em meu punho.

Quero acabar com a escola,
Depois cuspir no emprego,
Quero acabar com a escolha
E punir a frustração, evitar
Que ela me encolha.

E sou como uma bomba sem direção,
Uma rolha de uma garrafa, acertada
Por suas bolhas internas, ração
Da minha revolta, reação.

quarta-feira, julho 22, 2009

Pequenez

Pequena
Que me sustenta,
Remenda
Os meus olhares de ausência,
Aumenta
Meu tato em teu corpo,
Nos teus passos.

Não é miúda, não é migalha,
É apenas pequena, uma concentração
Imensa em um ponto, suspensa.

Pequena
Que me alimenta
E cativa,
Pequeno
E grande sentimento.

segunda-feira, julho 20, 2009

Poema Torto

As pessoas aprendem tudo errado
preferem fazer que é torto
fora do quadrado

Não foi isto que lhe pedi
Não coloque isso ali
este não é o seu lugar

Não faz isso assim
Não me olhe assim!

Nascer torto das idéias
Para ensinar o que é reto
Aos frágeis de esquadro

segunda-feira, julho 06, 2009

o leitor


À parte as muitas e importante razões estéticas, acho que lemos romances porque nos dão a confortável sensação de viver em mundos nos quais a noção de verdade é indiscutível, enquanto o mundo real parece um lugar mais traiçoeiro (Umberto Eco, 1994, p. 97).
Assisti, nesse domingo, ao filme O leitor, que rendeu o Oscar 2009 de melhor atriz à Kate Winslet, pela marcante atuação. Já havia lido o livro, há três meses, mais ou menos, e acabei não indo atrás do filme (muito pela minha preguiça em me colocar à frente de uma televisão). E eis que nesse final de semana ele “apareceu” lá em casa, fruto de um empréstimo feito por minha namorada Nice junto a uma amiga sua.
Tomei coragem, então, após muito me enrolar para isso, e me deitei no sofá para assisti-lo. Tive que fazer isso de modo “quebrado”, é verdade, pois aguentar duas horas de filme é exigir muito de um ser sonolento como eu. Assisti a pouco mais de meia hora num dia, e ao restante no dia seguinte. E consegui chegar ao final!
Achei-o brilhantemente lindo. Mesmo já conhecendo a história, sempre há aquela interrogação: será que haverá muito de diferente para o livro? E isto é bom, pois mantém a pessoa atenta ao filme. Não tenho bagagem cinéfila para fazer aqui colocações mais aprofundadas sobre o filme e todos os aspectos de produção que o cercam. Estas linhas são dizeres simplórios sobre uma obra que suscita algumas reflexões no mínimo interessantes. E não faço referência somente ao caso de amor entre um adolescente e uma mulher mais velha, nem à 2ª Guerra Mundial e ao Holocausto, a este assunto que é tema recorrente de recentes produções literárias e de cinema.
O que mais me encanta na história de O leitor, tanto a descrita no livro por Bernhard Schlink, quanto a forma como foi filmada, é a força com que a literatura dá novo significado à vida da personagem Hanna, interpretada por Kate Winslet. Uma analfabeta que a todo custo, por vergonha, escondeu que não sabia ler nem escrever, chegando ao ponto de se prejudicar ainda mais no julgamento em que era acusada de deixar morrer trezentos judeus, e de abrir mão da aventura amorosa vivida com o ainda garoto Michael Berg. Garoto este que não entende o sumiço de Hanna, e que, mais para frente, já cursando a faculdade de Direito, depara-se com um julgamento em que uma das acusadas é Hanna. E é nesse momento que ele entende porque Hanna tanto lhe pedia para ler para ela. A rotina amorosa dos dois seguia este ritual: fazer amor, banhar-se juntos, e ele ler para ela. Até o momento em que Hanna some sem deixar vestígios nem explicações, o que só será compreendido mais à frente na história.
E é na parte final desta história que Hanna aprende a ler e a escrever. Na prisão, a partir das fitas que o menino-já-homem-feito Michael Berg mandava a ela, com as histórias de alguns livros que lera para ela quando no romance de verão que eles tiveram. Histórias como “A Odisséia” e “A dama do cachorrinho”. Hanna vai à biblioteca da prisão e pega um dos livros gravados por Michael, e ali, ouvindo e acompanhando no livro, ela descobre as letras, as palavras, as frases, e os sentidos que pode construir junto a elas.
O leitor é não só uma história de amor, ou mais um ponto de vista sobre o extermínio de judeus. É, também, mais uma possibilidade de sentir os alcances da literatura: o quanto ela pode ressignificar vidas e estabelecer elos duradores. É como afirmou Pennac: a virtude paradoxal da leitura é a de nos abstrair do mundo para nele encontrarmos algum sentido.
Í.ta**

Sinuca de bico

Se eu não acreditar em Odin,
Não irei para Valhalla,
Se eu não acreditar em Zeus,
Irei da mesma forma para o mundo subterrâneo,
Se eu não acreditar em Júpiter,
Terei o mesmo destino de cima,
Se eu não acreditar em Alah,
Não terei minhas 50 concubinas virgens,
Se eu não acreditar em Krishna,
Não atingirei o Nirvana,
Se eu não acreditar em Buddha,
Não alcançarei a iluminação,
Se eu não acreditar em Mitra,
Talvez aconteça algo ruim,
Se eu não acreditar em Baal,
Vou mal nas guerras,
Se eu não acreditar em Jeová,
Vou arder no inferno,
Se eu não acreditar em Deus,
Não vou para o Paraíso...
São justos esses deuses medíocres?

domingo, julho 05, 2009

O despertar do poder supremo

como despertar o poder
engastado nas entranhas
mais viscerais do senhor doutor
martela-se o pé, quebram os estribos;
arremessa-se a bigorna contra os detritos

livra-me disso por escrito
dê-me a única razão que não se abala
circunscreva todas as circunstâncias não circunscritas
e sobreviva à relação mais duradoura com seu empecilho favorito
é um mero atrito, mas que por desserviço achou melhor não se fazer de mito

um atrevimento só poderia ter lhe custado mais que a cabeça;
donde há de vir rolar mais do que idéias soltas
mais do que o sangue carmesim que flui
um deus de nanquim, plúmbeo
registrado, para sempre
neste blogado