terça-feira, dezembro 11, 2012

Redigindo

Escrever. Editar. Revisar. Revisar de novo. Errar. Editar tudo de novo. Revisar. Revisar. Errar. Se acertar, revise de novo.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

A minha Europa

O velho continente é meu velho amigo,
Minha amante madura, minha namorada convicta,
Essa Europa que visualizo se desenvolve em curvas, em estruturas,
Em corpos de prédios que respiram cultura,
O velho continente é minha mente oculta, dura de conhecimento.

O velho novo, a velha reclamona
Que se mistura em seus traços,
Nos dialetos
Perdidos.

Conheço, e vou conhecendo, seus entornos,
Seus contornos, suas nuances, seu ar provocante
Sem idade, nem identidade, de elementos mesclados,
Mascavos, doces como mel.

Meu velho é novo,
Meu amor por você é próximo, óxido
Intenso,
Meu novo é envelhecido
Pelo encontro de peles, por nossos pés
Insistentes no lençol.

A minha Europa tem diversidade de países
Expressa nas várias línguas que encontro
Em teus lábios.

A minha Europa tem odores
Que saboreio em meus olhares,
Confundindo meus próprios sentidos
E dando rumo aos impulsos,
Contidos.

A minha Europa é a liberdade
Dos beijos viciantes, é a América
Dos povos sem nação, dos nômades
Amantes do múltiplo,
Que pode ser encontrado em teu corpo feminino.

A minha Europa são meus beijos,
São meus textos de desejo,
São a poesia das ruas,
O sexo das esculturas,
O romance dos quadros,
Os olhares dentro do quarto.

Minha Europa é uma viagem a dois,
Minha Europa é uma viagem particular
Em minhas culturas, em meu passado,
Em meu passado, em meu tempo
Perdido, em meu ganho poético,
Em minha estética construída.

O meu amor na minha Europa
É um passeio por uma viela
Que revela uma catedral no fim da via.

A minha Europa é contemplação,
É o contato friccionado dos corpos,
É o copo da água que contém minha alma,
É a ação, o sorriso, o contato, a companhia.

A minha Europa tem olhos claros
Que abarcam o mundo,
A minha Europa tem olhos de muitas cores
E vive no corpo de uma mulher que eu amo,
Meu reino profano.

A minha Europa é uma viagem,
É o extremo frio e o calor contagiante,
É a ausência de drogas e o ácido dilacerante,
É a mistura e nada tem de antigo.

Minha Europa é nova,
Mesmo em traços antigos,
Minha Europa transita nos tempos
E por isso tem nome e imagem:
Viagem.

Dedicado a Andréa Corrêa Lagareiro

sexta-feira, outubro 19, 2012

Valdirene

Some Valdirene
Tenho contas a pagar
Negócios a acertar
Não tenho mais nada para falar
Larga do meu pé
Deixa de ser chulé
Veja se fui parar na esquina
Ou lá na Joaquina
Porque com essa ladainha
É que não vou continuar.

sexta-feira, agosto 17, 2012

sem título 0001


havia algo preso na garganta.
um sentimento que queira sair, que precisava sair.
a pressão era tão grande que o coração apertava.
sua pálpebras estavam tremendo, suas sombrancelhas rígidas, travadas.
os dentes rangiam, e se apertavam até doer.
ele soube que não podia segurar mais.
sua face se transformou, a tensão se dissipou numa inspiração profunda.
agora em sua face havia um sorriso sincero, que cativaria qualquer um que pudesse tê-lo visto.
em seus olhos ardia um fogo, que queimava brando e espirituoso.
ele virou-se e partiu, como se flutuasse, com suas pernas que eram gelatina.
e naquela tarde de verão, naquele lugar distante, o homem partiu caminhando de leve, deixando todos os seus problemas para trás, com os miolos espalhados no asfalto sob o por do sol.

quarta-feira, agosto 15, 2012

Aula de Filosofia da Arte

Podia ser apenas alguns comentários
Sobre a ruptura de Picasso em seus traços,
Mas virou uma descrição da postura de Chopin,
Virou um apreciar do músico de rua,
Dos sons do violão velho,
Desafinado.

Podia ser apenas alguns comentários
Sobre a odisseia de Homero ao criar a literatura,
Mas a aula se transforma em uma discussão kafkaniana
Sobre as rupturas da literatura dodecafônica
E dos versos embaralhados, atonais.

Podia ser arte superficial,
Mas fala-se em expressão com densidade espacial,
Peso metafórico, discuto eufórico.

Gullarianas II

Sou uma velha, uma jovem velha,
Um homem de peruca, um leitor de poemas sujos,
Uma voz com sotaque demarcado, sou óculos fundo de garrafa,
De aros grossos e lentes amareladas.

Sou livro de sebo,
Poema amadurecido pelo tempo,
Sou folha de bananeira, luz de Sol que ultrapassa peneira,
Sou pele áspera e tempo sem espera.

Gullarianas

Estou com cor de ocre, febril, bêbado e ébrio,
Senil,
Estou ficando grisalho, estou como cascalho
Desgastado pelo tempo, sou um carvalho
Velho, uma flor arregaçada, sem pétalas,
Decomposto em sementes.

Pronto para nascer do lodo.

quarta-feira, agosto 01, 2012

E se...

Estívessemos juntos há três anos
Sem interrupções, sem desamparo,
Sem lamentação, não me separo
Do meu eu transformado,
Metamorfoseado
Por você.

segunda-feira, julho 23, 2012

Croesia II

É madrugada, é começo de dia,
É hora do almoço, do doce,
Com pessoas invisíveis,
Com as que nos enchem de algo,
E sob o Sol, morre o tempo,
Os indivíduos, os fatos.

E no jantar, tudo morre.

Triste

Triste é ser triste
E ter beleza ao redor, luz,
Sombra e água fresca.

Triste é o mundo profundo,
Denso, rico, contraditório
E cativante, sendo opaco por dentro.

Triste é ser inteligente, respeitado
E ciente.

Agindo feito demente.

Memória

Gotas da história 
Pingam nos seixos da memória
É rio caudaloso que entorta
E reconta contos tão longos
De um passado distante
Ora vívido, ora fosco
O quadro de vidro
Atrás da porta.


Os anos somem afora
Mas ainda se escuta à porta
A gota que pinga
No leito que seca
No quadro que mirra
No rio cinza, na foz morta.

  Memória
  À sua glória.
  

terça-feira, julho 17, 2012

Ai, Ana.

Ai, Ana.


Ana veio se queixar
Porque empresto minha voz ao poeta
A voz mágica, de ternura e tenores
Fala de algodão doce
E amores
O ressentimento de Ana
É porque empresto minha voz somente ao Poeta
E só ele me completa.

Construção


 Pedra sobre pedra.
Adobe argamassa e argila
 Taipa e fibras
 Excrementos e barro.

  De tudo que já fiz hoje
 Só me falta construir um carro.

sábado, julho 07, 2012

Grécia do berço até o calote

Era um bebê gorducho, disposto, abastado, deitado no conforto,
Repleto de referências, propagador de preferências, filósofo,
Virou uma criança mimada e um adolescente engajado.

Hoje é um velho senil, preocupado com a conta em banco,
Contando as parcelas do cheque especial, deprimido.

Sozinho feliz

É o que repara a beleza da luz do dia,
Do natural e do artificial que convivem,
E fica sem inventar nada,
Só a contemplar.

Antes que a inquietude o atinja.

Croesia

É uma história cotidiana
Insuficiente, uma narrativa verbal,
Sem sujeito e nem predicado,
É retrato da realidade
Sem detalhes, um encalhe.

É um lirismo do asfalto,
Um infinito de significados em uma garrafa de cerveja barata,
São versos alexandrinos escritos em um guardanapo,
Ou um soneto involuntário,
De rimas pobres.

Meu verbo podre,
Minha metáfora esnobe,
Faz essa croesia, poesia crônica, crônica poeta,
Um pedaço de texto do mundo real,
Do surreal da minha poética, da minha visão
Tentando extrapolar o mero relato,
Ficando no termo vago.

domingo, junho 17, 2012

Arquitetônica de livraria

Os mais vendidos na frente, os mofados clássicos atrás,
Os clássicos que já foram bem vendidos na traseira, os novatos com promessas falsas
Na vanguarda, as listas do que fazer antes de morrer na vitrine,
E os livros que realmente ensinam a viver, no estoque, tímidos.

Tomo um café, depois de uma refeição, com um professor
E ele diz: "Desrespeite o sistema de bibliotecas e livrarias,
Ignore os livros que mendigam sua atenção na frente
E resgate o clássico que, mesmo mofado, não vai falecer".

segunda-feira, junho 04, 2012

Mendigo

Anda com trapos
Na rua larga, na estreita,
Na avenida e no beco sem saída.

Anda com trapos
Num bairro, nas cidades e
Caminha até entre países.

Coleciona bandeiras de nações
Compradas por poucos centavos.

É pobre de capital
E rico de alma, de história.

domingo, maio 13, 2012

Piadista ruim

O piadista ruim é um homem feliz,
Se alguém ri dele, seu coração palpita,
Suas piadas fluem, a sociedade apita.

Ele é o oposto do piadista bom,
Uma figura triste, sempre cobrada,
Sempre assediada, nunca desafiada,
Banalizadora do riso, um tesouro maciço.

Produção de quinta

Para produzir notícias de primeira,
Desnível técnico, alto nível intelectual,
Esforço descomunal, tarefa braçal,
É coxão duro querendo ser mignon.

domingo, maio 06, 2012

Encruzilhada

Sozinho, no metrô,
Diante dos letreiros de Santana,
Estou sem violão, sem melodia,
Pequeno diante de um mundo
Em transformação.

Aguardo meu trem, sem me decidir,
Sem sentido e nem retorno.

quinta-feira, abril 26, 2012

Ser (anti)social

Estende a mão,
Abre os braços,
Move os lábios,
Hesita
E não cumprimenta.

quinta-feira, abril 05, 2012

Canto Maior

O grande drama é começar
Pois uma vez começado é quase certeza
É rapidez na reta.

Quem vai rápido se perde na rota
Quem senta torto
ganha uma coluna torta.

Se usa pouco, perde muito.
Se muito faz, nada fez.

Veja agora, é a sua vez...

O pensamento que não flui.

O pensamento que não flui
É água parada
Poça estagnada.

Vento, traga o sol
Faça este líquido virar pó
Faça novelos e nós
nas entrelinhas
Onde venta o vento
Flui pensamento.

Trevo

Na encruzilhada
Muita virtude compartilhei
Pois lá iniciei minha cruzada
Contra aquele que impede a felicidade
Geral sem muita noção.

Nos cortes e entrecortes
Caminhos cruzados
Você vê aquele que não quer
Ver e sem ser visto
Vasto ser revisto.

Onde debruçar o olhar verá
Companheiros e aventureiros
Perdidos em seus mundos inteiros
Compartilharem virtudes e emoções
Caminhando juntos, encontramos trevo.

Versos, ersos

Versos curtos
Longos límpidos
Cheios de lero
Cheios de verso.

Versos doces
Densos e ricos
Ao avesso, ao vental
Diga não ao jovem mau.

A Visita

um dia, um anjo veio me visitar
à meia noite quando já cansado,
antes de dormir, na janela, tomei um ar

Fez perguntas, querendo saber com precisão
a quantidade restante de amor que restava no coração
Deste amor, a solidão - esta desafortunada
Havia roubado um pedaço
um curto passo
rumo à queda da razão

Nos braços do anjo, voei
rumo à imensidão
Voei no céu noturno
Voei até as estrelas
Voei na luz e trouxe um doce
Um pedaço de futuro.
Uma bela poesia
Aquecendo eu, então.

quarta-feira, março 14, 2012

Hoje é dia da poesia

Hoje é dia do verso curto,
Da palavra alongada, da estrutura
Alexandrina, do verso sem rima,
Da garota que suspira lendo
A minha querida poesia.

domingo, março 11, 2012

Desconcertante

É o olhar que desvio,
É o olhar que concentro,
É meu olhar perdido
E meu olhar despedido.

São meus olhos que brilham
E até quando ficam úmidos.

É meu rosto instável,
Que chora e sorri,
Que vive.

Samba fossa

Com gingado, improviso,
Eu lamento e canto uma
Alegria mínima, enquadrada
Na batida dos bumbos,
Meu samba fossa, meu amor
De pandeiro.

terça-feira, março 06, 2012

Ouço Carinhoso

E sei porque meu coração bate,
Assim, feliz, quando te vê.

Ele não crê na beleza que escapa
E oferece desejo, procura de olhares.

quinta-feira, março 01, 2012

O desconforto da prosa

É não conseguir preencher toda a sua lógica lacunar por palavras que devem ter seus significados aplicados em uma salada salpicada por sujeitos, objetos e predicados bagunçados, trucidados pelo seu pensamento pouco fluído, clichê e vulgar.

2112

Saí um pouco do formato de poesia.


Este é um conto baseado na letra de “2112” da banda de rock progressivo canadense Rush. Eu tive a idéia de fazer uma história com a canção depois de ler um conto do escritor e tradutor Fábio Fernandes, criado a partir de uma música dos Beatles.


Acho que ele precisa de mais correções, ainda.


Espero que apreciem as referências e uma história simples baseada em uma letra complexa de ficção científica.

“What can this strange device be? 
When I touch it, it gives forth a sound 
It's got wires that vibrate and give music 
What can this thing be that I found?”

Neil Peart, da banda Rush

Olhava o céu, sempre. Seja com sete, quinze ou vinte e cinco anos. Tinha uma dificuldade enorme em manter os olhos nesta realidade, no concreto e desperto. Não sabia por que era tão desligado. Sentia-se comum, pequeno, mas contemplando algo maior.

Sua casa era um quebra-cabeça vivo: Haviam brinquedos de seu irmão que partira em cantos de cômodos, fotografias encaixotadas, folhas amareladas, livros com mofo acumulado e fitas cacete podres. Ele gostava dessa atmosfera de estranheza, embora vivesse apenas com a mãe. “Era como se aquelas tralhas trouxessem imediatamente a presença do pai e do maninho que estavam em outra casa”.

A tara dele, então, era fuçar e derrubar o que pudesse quando a mãe ia fazer compras. Se o imóvel era um labirinto, ele havia de chegar até o seu fim, solucionando seu mistério. Desenvolveu, sozinho, um ímpeto natural de desafiar o que lhe parecia inalcançável.

Subiu na estante, derrubou os livros, deixou a televisão na ponta do móvel e transformou a casa em uma anarquia compulsiva e cumulativa, volumosa em caixas, objetos e fotografias espalhadas. Cavou e cavou nas lembranças até chegar num caixote negro, de couro, bem espesso.

Observou as travas de metal. Tentou abrir com força. Sem sucesso.

Observou novamente – com mais atenção – e enxergou como mover a alavanca para abrir a tranca. Um dedo na superfície áspera movimentou tudo. Ouviu um estampido baixo e a caixa retangular abriu.

Havia um violão velho, com trastes oxidados, dentro do recipiente. Tirou, com a maior curiosidade, aquele objeto com corpo ondular e braço estreito. Queria saber por que aquilo estava ali, de quem era, por que estava tão escondido e, acima de tudo...

...Se ainda era possível fazer alguma música com suas cordas.

Abraçou a viola e passou os dedos pelas duas cordas mi, sem tocar nas outras. Brincou com o sol, puxando outras notas de suas casas. Tentou formar alguns acordes simples. Tentou tracejar tocando três cordas. Bateu com os dedos para emitir novos sons. Fez algo desarmônico, desajeitado, despretensioso, mas com sua beleza própria.

Então, aos poucos, mais e mais notas começaram a se formar de suas finas mãos. Cinco minutos depois, com o violão em mãos, músicas começaram a se formar em sua mente, e a surgir involuntariamente do movimento de seus braços. Batidas abafadas se somaram a escalas executadas de forma limpa. Para completar a composição, acordes limpos tiravam seu próprio fôlego.

Não sabia o que estava fazendo. Mas, naquele momento, nada mais importava. A sala, a bagunça e o labirinto pareciam ter desaparecido por completo. Não havia mamãe, papai, irmão ou qualquer rosto conhecido. Somente cordas, sons e o seu coração, que palpitava e não queria mais parar.
A música não queria que ele parasse.

O som começou a crescer, a se encher, a brotar com cada ligação entre notas, acordes, frases e improvisações. O som do violão passou a mudar. A cor do corpo do instrumento avermelhou, sua madeira endureceu e, por fim, o braço começou a afinar. O fundo oco começou a se preencher. Captadores, lentamente, surgiram sob as cordas. E a música nunca parou.

E as cordas ficaram endurecidas, brilhantes, metálicas.

O menino então sentiu o peso da guitarra elétrica que se formou em sua composição e, com uma rapidez que ele próprio desconhecida, acionou a amplificação elétrica, rasgando e preenchendo toda a sua melodia.

Com acordes simples, gerou pequenas explosões com seu instrumento. Puxando as cordas sem dó, alcançou notas agudas, acompanhadas por um som grave que aveludava o retorno do som. Era como uma orquestra de seis cordas, um arranjo brotando do puro contato entre homem e objeto.

E, no ápice de harmonias e de dissonâncias, veio o silêncio.

Ele não estava mais em sua casa. Sequer reconhecia seu próprio corpo ou seus cabelos. A franja cobria-lhe a face. Os longos frios tapavam seus ouvidos.

A música metamorfoseou o menino.

Suas memórias se embaralharam. Já não era um jovem, era um homem de trinta anos, armado com sua guitarra elétrica com amplificador embutido. Austero e cabeludo. Com um gosto amargo na boca e nos pensamentos.

Prendeu a guitarra em uma correia de couro forte, apoiada no ombro. Caminhou para sair da gruta úmida em que se encontrava. Visualizou feixes de luz de um dia maravilhoso fora da caverna, apesar de seu humor difuso, inócuo, vazio.

Caminhou e caminhou.

Desceu a colina após a entrada da caverna. Não havia mais nada plano. Se largasse seu corpo, era queda livre: Morreria só de rolar em uma ladeira sem fim. Pacientemente, um pé por vez, fez o longo caminho. Chegou, enfim, na única cidade humana que se encontrava após o fim da colina e dos campos abertos que circundavam todo o ambiente aberto. Chegou na cidade das cidades.

Sua memória refrescou, no trajeto. A guitarra esteve, todo o tempo, trancafiada na gruta, escondida da civilização. Reprimida, perseguida. Instrumento escondido de tudo e de todos.

Uma perna por vez, enquanto o sol se perdia no horizonte. Perto da cidade das cidades, o clima começou a obscurecer perto do portão. Não precisou sinalizar para entrar. Pé ante pé, entrou na outra escuridão do mundo: A sociedade.

Misturou-se com os humanos socados nas calçadas, com os carros voadores que entupiam o céu coberto da cidade das cidades e até com o cheiro de gás e poeira emitido pelos geradores de energia elétrica. Poluiu-se. Destemido, andou com sua guitarra nas costas, sem se confundir com todos aqueles homens.
Sem se uniformizar com todos aqueles iguais.

Continuou seu trajeto até o centro, tirando a guitarra elétrica das costas e segurando-a pelo braço. Apertou as cordas. Apertou o passo. Sabia que era a hora e o lugar.

Chegou ao ponto zero da cidade das cidades, onde a poeira era mais densa, onde o palavreado era mais sufocante. O centro do buraco. O buraco do ninho. O berço humano sem nenhum contato mínimo, apesar dos esbarros ocasionais em algum pedestre. E o esforço para desviar de naves e carros.

Com a guitarra nas mãos, abraçou o corpo e puxou a correia. Formou um ré menor com a mão direita e dedilhou de baixo para cima, ascendente. Saturou a distorção e aumentou progressivamente o volume. Escancarou acordes cheios emendados com notas soltas. Executou bends, pulou cordas e cobinou do jazz ao puro rock´n´roll.

Sem fazer nada, seu amplificador estourou. Os ouvidos dos presentes estouraram. Os guardas surgiram. “Objeto não autorizado! Objeto não autorizado! Repreenda! Repreenda!”. Os robôs e os guardas tentaram derrubar seu corpo e destruir sua música.

Mas a música não interrompeu. Eram seis pares de mãos puxando suas costas, com cacetetes acertando seus joelhos. Sentiu a febre atingi-lo, misturado com o cheiro de mofo e ferrugem da cidade das cidades. Sentiu seu corpo se render, mas sem parar com o solo na escala de lá. Ouviu as cordas estourando, com a música ainda subindo.

Naquele mundo, era proibido fazer arte, sentimento. Isso era coisa de mártires.

***

Acordou socado entre a poeira de sua casa, de volta ao corpo de menino, com o violão ao lado. Ouviu a mãe abrindo a porta. Abraçou a viola. Todas as seis cordas.

quarta-feira, fevereiro 29, 2012

Um dia que só existe a cada quatro anos

Frustra quem faz aniversário, atrasa dia de pagamento,
Alonga um pouco mais a vida,
Irrita os deprimidos e ilude os animados.

sábado, fevereiro 25, 2012

Dia de 25 horas

Hoje, dia 25 de fevereiro, é um dia de 25 horas
E não das habituais 24, um dia extenso, de minutos densos,
Com vida alargada, mesmo que o cotidiano
Nos mate a todo momento.

Muitos queriam um dia com 72 horas, mas só conseguiram nos dar
Uma mísera hora a mais, uns minutos adicionais de tango,
Tempinho para beijos, para mais espera, para continuar
Desejando.

Neste dia de número 25, você percebe que o relógio é uma mentira,
Que o alongamento é inútil, que a inércia vai continuar e que o vácuo
Vai se prolongar.

Toque então mais uma balada, separe mais alguns acordes e
Me prepare um café para um dia com duas meia noites.

(Lembra deste aqui?)

Tempo

É o que tenho comigo mesmo, é a sensação
De estar com todos, de estar com alguns, de estar só
Com meus neurônios solitários e insólitos. Rebeldes.

Tempo é as trocentas poesias sobre o momento,
É uma batida de baqueta, um termo abstrato,
Uma respiração entre um palavreado,
Um vácuo entre conceitos.

Tempo depende de espaço. Espaço é tempo
Elástico, tempo é recorte de tesoura
Nos papéis revirados na bagunça.

É uma ordenação absurda do espaço,
Comprimido pelos contratempos.

Sou servo dos meus textos

E escrevo todos eles com erros, sangro na edição, efetuo cortes,
Faço sangria das palavras desnecessárias, apago, reescrevo, desisto,
Resisto, escravo das frases, da composição, do contexto.

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Poesia vazia

É poesia a ser escrita,
É poesia depois da borracha,
É palavra do dia a dia,
É ponta da caneta, papéis amassados
E cérebro inquieto.

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Deus ex machina


É a torradeira, é o computador,
É a britadeira, é o robô
Do roubo do meu intelecto,
É a arte que espero,
Arte ofício,
Atifício
Que é artificial.

sábado, fevereiro 18, 2012

Observador

Voa com suas asas sobre os homens, se esconde no alto
Da arquitetura mais megalomaníaca, é um solitário completo,
Um sozinho diante do mundo.

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Os melhores textos

Saíram desastrados na primeira publicação, foram riscados,
Retorcidos, trocados, retocados, remanejados, reescritos
E espantam até o dono.

Escreva uma linha por dia

Escreva uma palavra por dia.
Escreva uma sílaba por dia.
Escreva uma letra por dia.
Escreva.

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

Músicas

Sou fã de músicas tristes,
Pra chorar, pra pensar, pra arrepiar,
Pra iludir, pra absorver, pra abduzir.

Sou fã de músicas felizes,
Pra descontrair, pra unir,
Pra confundir nossos corpos.

Sou fã de tragédias sonorizadas,
Pra não esquecer.

Sou fã de sussurros e de barulhos,
Pra sempre me incomodar.

O único que não entendo é meu próprio ruído,
Minha voz inibida, meu zunido,
E fico com palavras entaladas, sem som.

Na solidão, componho

Na solidão, escrevo,
Na solidão, converso com meu amigo imaginário,
Crio companhias, farsas materializadas na ponta do lápis.

Na solidão, posso usar borracha.

Na solidão, abro álbuns com fotografias amareladas
De quem não sou mais, de quem tenho saudade,
De quem não conheço, de quem não me esqueço.

Na solidão, escrevo notas,
Escrevo livros, escolho as cores
Para uma nova pintura, um novo quadro.

Na solidão, faço orações,
Atéias ou religosas.

Na solidão, conto pétalas,
Martelo tábuas,
Organizo os tijolos em casas.

Mas eu só trabalho sozinho porque já estive junto,
Porque tenho memória,
Porque tive contato. Intacto.

Embaixo da ponte, na Avenida Nove de Julho

Eu sinto sua presença trágica, mas sua memória afável.

Na Avenida Santo Amaro,
Eu sinto sua mão na minha coxa, no carro. E seu sorriso simples como acorde
Cheio.

Na Avenida Paulista, sinto os abraços,
As mãos dadas, as companhias fáceis, a garoa fina,
A mudança brusca de tempo e os prédios bonitos e feios.

Na Rua Augusta, aspiro cerveja,
Petiscos, cinema profundo e
Muita música.

Não sei de quem falo, muitos se encaixam,
Mas os locais são únicos.

Como um anjo, observo o mundo

Como humano, encosto no vidro do vigésimo andar de um prédio e vejo pequenos carros,
Pessoas mínimas,
E como um anjo do filme de Wim Wenders, acredito que sou invisível,
Um observador inconcebível,
E tento sentir as pessoas, sem entender.

Que bom que a vida é (um pouco) feliz

E só é feliz com o mínimo, que vira o muito,
Que desemboca no sorriso, que se trumbica na gargalhada,
Que é torcido na loucura e que é atropelado
Pela ternura, sedutora.

Piano silencioso

Toca notas dispersas, com dedos leves,
Numa noite coberta
De cacos de pessoa, de lapsos de ideia,
Reúne fagulhos
E forma pontos de um hino grandioso.

Quem bom que a vida é triste

Que bom que a vida é triste,
Porque assim ela muda,
Porque assim a muda brota,
A semente esgota, o caule se ergue,
O tempo prossegue, a folha desabrocha,
E as coisas ficam felizes,
Depois ficam tristes
E são, sempre,
Difíceis.

domingo, fevereiro 05, 2012

Dança

Vem à frente o condutor
peremptório
comanda os passos
necessários
para encantar o público.

domingo, janeiro 29, 2012

Tentam censurar a internet

Ela é pirataria?
É compartilhamento.
Ela é infração de propriedade intelectual?
A propriedade é coletiva, mas há financiamentos para grandes sites.
Ela é destruição de negócios milenares?
Lobbies seculares?
Claro que é. É uma quebra de esquema.
Sistema em crise.


O futuro é Copyleft,
Com mais rights que o Copyright.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

Bifurcação

Escolher a redação ou a arte?
A academia ou o mercado?
O sonho ou o concreto?
Físico ou abstrato?

Escolho ambos, sou filósofo
Não de nome, mas de querer conhecer
(sempre)
Mais

domingo, janeiro 08, 2012

Ano novo, ano velho, ano ferro-velho

Cada minuto passa, eu enferrujo
E o tempo urge, e a vaca muge,
O minuto segue, o momento apodrece
E nada faz diferença.