À parte as muitas e importante razões estéticas, acho que lemos romances porque nos dão a confortável sensação de viver em mundos nos quais a noção de verdade é indiscutível, enquanto o mundo real parece um lugar mais traiçoeiro (Umberto Eco, 1994, p. 97).
Assisti, nesse domingo, ao filme O leitor, que rendeu o Oscar 2009 de melhor atriz à Kate Winslet, pela marcante atuação. Já havia lido o livro, há três meses, mais ou menos, e acabei não indo atrás do filme (muito pela minha preguiça em me colocar à frente de uma televisão). E eis que nesse final de semana ele “apareceu” lá em casa, fruto de um empréstimo feito por minha namorada Nice junto a uma amiga sua.
Tomei coragem, então, após muito me enrolar para isso, e me deitei no sofá para assisti-lo. Tive que fazer isso de modo “quebrado”, é verdade, pois aguentar duas horas de filme é exigir muito de um ser sonolento como eu. Assisti a pouco mais de meia hora num dia, e ao restante no dia seguinte. E consegui chegar ao final!
Achei-o brilhantemente lindo. Mesmo já conhecendo a história, sempre há aquela interrogação: será que haverá muito de diferente para o livro? E isto é bom, pois mantém a pessoa atenta ao filme. Não tenho bagagem cinéfila para fazer aqui colocações mais aprofundadas sobre o filme e todos os aspectos de produção que o cercam. Estas linhas são dizeres simplórios sobre uma obra que suscita algumas reflexões no mínimo interessantes. E não faço referência somente ao caso de amor entre um adolescente e uma mulher mais velha, nem à 2ª Guerra Mundial e ao Holocausto, a este assunto que é tema recorrente de recentes produções literárias e de cinema.
O que mais me encanta na história de O leitor, tanto a descrita no livro por Bernhard Schlink, quanto a forma como foi filmada, é a força com que a literatura dá novo significado à vida da personagem Hanna, interpretada por Kate Winslet. Uma analfabeta que a todo custo, por vergonha, escondeu que não sabia ler nem escrever, chegando ao ponto de se prejudicar ainda mais no julgamento em que era acusada de deixar morrer trezentos judeus, e de abrir mão da aventura amorosa vivida com o ainda garoto Michael Berg. Garoto este que não entende o sumiço de Hanna, e que, mais para frente, já cursando a faculdade de Direito, depara-se com um julgamento em que uma das acusadas é Hanna. E é nesse momento que ele entende porque Hanna tanto lhe pedia para ler para ela. A rotina amorosa dos dois seguia este ritual: fazer amor, banhar-se juntos, e ele ler para ela. Até o momento em que Hanna some sem deixar vestígios nem explicações, o que só será compreendido mais à frente na história.
E é na parte final desta história que Hanna aprende a ler e a escrever. Na prisão, a partir das fitas que o menino-já-homem-feito Michael Berg mandava a ela, com as histórias de alguns livros que lera para ela quando no romance de verão que eles tiveram. Histórias como “A Odisséia” e “A dama do cachorrinho”. Hanna vai à biblioteca da prisão e pega um dos livros gravados por Michael, e ali, ouvindo e acompanhando no livro, ela descobre as letras, as palavras, as frases, e os sentidos que pode construir junto a elas.
O leitor é não só uma história de amor, ou mais um ponto de vista sobre o extermínio de judeus. É, também, mais uma possibilidade de sentir os alcances da literatura: o quanto ela pode ressignificar vidas e estabelecer elos duradores. É como afirmou Pennac: a virtude paradoxal da leitura é a de nos abstrair do mundo para nele encontrarmos algum sentido.
O leitor é não só uma história de amor, ou mais um ponto de vista sobre o extermínio de judeus. É, também, mais uma possibilidade de sentir os alcances da literatura: o quanto ela pode ressignificar vidas e estabelecer elos duradores. É como afirmou Pennac: a virtude paradoxal da leitura é a de nos abstrair do mundo para nele encontrarmos algum sentido.
Í.ta**
Um comentário:
Alfabetização por necessidade.
Linguagem é um recurso, uma transformação.
Muito bonita e pontual tua observação :]
Postar um comentário