quarta-feira, abril 25, 2007

Momentum

"Então dois ossos roídos me assombraram...
- 'Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos
e os formigueiros já nos desprezaram'."

Augusto dos Anjos



Condensarei agora, num instante,
cada frase, pensamento ou teorema
que, na alternância entre insânia e razão,
tenha sumido ou se calado.

Ó heliogabálico homem!
vê a vida num momento,
num momento vê a vida:
sibilante, cruel, irreal e real.

Vida? Momento?
Instante? Desespero?
Sofreste? Acabou seu namoro,
sangrou seu nariz, quebrou seu braço:

Sofreste? Saiba que não:
quão terrível é a dor daqueles
que entendem que a vida é uma aranha
a fiar seus destinos com fios negros?

Pior os fadados
a afundarem em estudos
e entenderem que a homogênea massa de carbono
é sua melhor amiga...

Homo sapiens? Homo infimus!
Saco de matéria orgânica!
Imponente conjunto de células
que perante o primeiro vírus se ajoelha.

E os doentes? Pobres e esquecidos enfermos!
No velho a tremedeira incontrolável
graças ao Alzheimer que o assiste; a angustiante
orbe ocular de uma criança morta de fome!...

Alucinógeno ou sonho? Real ou irreal?
Estou em uma cama – e dopado! –
ou sonho estar em uma cama;
também dopado?!

(Quanto mais desejo o absurdo, mais ele se afasta;
seja o suicídio...
seja a garota pequena e suja que come chocolates
e não faz idéia de nada – e nem quer fazer.)

A assombração deste momento
se reflete na pergunta:
por que me deste, minha Mãe, consciência
para ela pesar durante minha vida inteira?

24/04/2007

sexta-feira, abril 20, 2007

Arte fato.

Artefato.
Fato da arte.
Ao artífice.
Arte, fez
Feto de arte.

Faz da arte feito.
Feito da arte.
Faz a arte por arte.
Farto da arte,
Desfaz.

Fitando o feito.
Vazio no peito.
Faz.
O artífice farto:
Arte sem afeto.
Arte de feto.

(Inspirada numa exposição que vi de relance na cidade, chamada "arte fato".)

segunda-feira, abril 16, 2007

Argonautas Contemporâneos

Aqui, direto do Peloponeso
Dirijo teus companheiros
Navegando por águas
Desconhecidas e conhecidas
Somos heróis de todas as eras
Manifestamos nossos destinos
Manipulamos nossos augúrios
Na busca do Velocino de Ouro
Partimos agora em busca do

Velocino de Deus.

Além de todas as montanhas e ilhas
Que pudemos encontrar
Até mesmo a ilha das Amazonas
Que almejaram nos soçobrar
Atravessando monstros de diversas culturas
Com nossas flechas abençoadas e impuras
Procuramos Deus mas este não quis ser encontrado
Deixamos somente um recado
Em sua caixa postal




Ele nos respondeu, em uma carta ao nosso navio:

"Assim que sair da lavanderia
Mandarei registrado
Para evitar qualquer extravio."

terça-feira, abril 03, 2007

Tristeza do Outono

Gentem.

Abismado como estou com esse radical início de mudanças climáticas, deixo aqui meu protesto para com o clima e nós mesmos. Gostaria de pedir à própria atmosfera para parar de se auto-aquecer, mas um singelo poeta tem poder apenas de observar os fatos, e contar a seu bel-prazer o que lhe convém ou o que seu Eu Lírico trama.



Tristeza do Outono

Sob a laranjeira penso
Divago na sombra fresca
O sol lá em cima arde
E a gente aqui embaixo, sede

Do sul os ventos álgidos
Dão lugar a um mormaço diáfano
Para dar o sabor outonal
E as folhas ainda verdes
Não douram - calor infernal

Na minha rede estirado
Sob a fresca sombra enfado
Suspiro - mais carbono
Para tristeza do outono.