sábado, agosto 04, 2007

A Dádiva da Prole

Uma peça poética sobre a relação de pais e filhos
Pedro Zambarda de Araújo

Dedicado ao meu pai, José Roberto de Araújo

I

Esta é uma lição sobre descendentes
De um pai que não foi austero, sequer severo,
Mas humano e líder, caro
E honrado em seus dizeres.

II

Baltazar repousava em seu trono,
Adormecido, sem nenhum adorno,
Somente a espada em guarda, a prata sagrada
Entre os ferros ensangüentados, mal-cheirosos.

Era um pai que sincero, com muito esmero,
Um caro rei, um imperador de tradicionais leis,
E preocupado com seu escudo, seu agudo senso.

III

O grande lorde tinha cinco filhos,
Todos meninos, todos grã-finos,
Sentados num banquete,
Armados com seus mosquetes,
Artefatos bélicos paternos.

O primeiro era chamado de Valentim,
Era um exímio espadachim, de olhos vorazes
E respiração curta, características audazes.

O primeiro, às vezes, ia ao ministério
Discutir política com os conselheiros do rei,
Tomando as honras do pai para exibir o mistério
De ser nobreza, expor muito mal sua autoridade,
Uma das várias fraquezas.

Discursava como um Pompeu no senado,
Falando dos amores e das glórias do parceiro,
Enquanto a faca ficava à espreita, na surdina,
Ouvindo atentamente a exaltação alheia.

A lâmina escondida clamou por aliados,
Que surgiram como diabos irados,
Sede de sangue, o inferno de Dante
Trouxe a covardia que estava latente
Em suas lâminas ardentes.

Valentim, nada valente,
Guiou o exército durante o sono
Moroso do pai, momento
Sereno, calmo, quieto.

Valentim, bem covarde,
Ergueu um atentado contra o monarca,
Sem qualquer ressalva, ou retaguarda,
E foi morto pelas costas, pela irmandade
Unida na espada do segundo filho,
Prodígio.

Era um tradicional filho, um irracional ninho
De maldições sem fundo, sem nenhum profundo sentimento
E preocupado com seu interesse, que falta de senso inteligente.

IV

Chamava-se Barbarossa a segunda prole,
Era de medíocre formação, inerente opinião,
Só ganhou importância aos olhos do pai pela morte
Do irmão, uma traição bem aceita, pura vingança.

Tal como algo inócuo e oco,
Barbarossa só se revestiu de admiradores,
Esquecera da própria gratidão paterna, horrores
Percorreram o saguão do palácio,
Eliminaram seu corpo, restou o mistério.

Era um filho perdido,
Um machucado sem sentido
E inserido numa felicidade escassa.

V

Lázaro era o quarto herdeiro,
Tal como o nome, era moribundo eleito,
Sofreu cento e oito mortes, e passou por tudo
Para continuar respirando.

VI

Lázaro se isolou numa ilha,
Mal sabia que caíra na armadilha
De seu gênero de indivíduo.

Estava morto por cansaço,
O trabalho árduo de sobrevida
Virou ferida, sem cicatrizar.

Era um masoquista vivo,
Um machucado sem sentido,
Era um imerso numa tragédia total.


VII

Amadeu era o terceiro irmão,
Sofredor das dores de Lázaro,
Era um emotivo muito avaro.

Sua avareza constituiu uma rotina de repetições
Entre as repartições monárquicas,
Foi preso por inúmeras corrupções
Entre os serviçais.

Os soluços e choros escondiam outro Valentim,
Mas meio retraído, meio serafim.

Era um resto de refeição andante,
Um indivíduo pedante,
Um filho que sempre se esconde.

VIII

O pai Baltazar então, depois de tantas decepções,
Foi dar cabo do último filho, o humilde Luís,
Estava feliz brincando com suas imaginações,
Um sublime inventor.

IX

A espada foi apontada ao pequeno Lu
E ele reagiu atônito, quando um trovão caiu,
Eram as lágrimas vertentes do velho desconsolado,
De um sentimento atordoado.

O rei desatou de vergonha,
Por que ferir o último herdeiro, o último cavaleiro?
Por que se martirizar por não terem eles o seu destino?
O rei cedeu à sua própria água
Que desfilava em sua valentia,
Em sua face brava.

X

Grande, Luís tornou-se
E jamais se esqueceu das dores do pai,
Mas foi revoltoso como os irmãos, cansou-se
De criar novas leis, integrar-se com outros reis, ser seu
Próprio mestre e aprendiz, superou-se.

O grande Luís, hoje, observa
As rosas depositadas no jazigo do velho Baltazar
E lembra, sem pestanejar, dos irmãos odiados, o rejeitar
Do respeito paternal, do sentimento que realmente ama.

Um comentário:

Anônimo disse...

Te invejo.