sábado, março 29, 2008

Declarações de amor

É o velho duelo entre a prática e a teoria. Uns gostam de palavras melosas, canções de corno, canções sensíveis, transtornos emocionais, histeria, calmaria, correções pessoais, transfiguração, inversão de papeis e, principalmente, atuação. Outros preferem a falta de texto, as internas inexplicáveis, os silêncios intermináveis, os atos inacabáveis, preferem terminar, dar um tempo e voltar, ondulam como ondas, sussuram em conchas.

Aos práticos, digo que existe um texto. Não interessa se você não gosta de palavras, a letra nem precisaria existir para haver um texto. O código é o fundamento disso e a codificação se faz pela necessidade alheia de atenção. Há um observador e um curador, um arauto do seu segredo que, paradoxalmente, nunca o saberá por completo, seja seu amor ou seu leitor.

Aos teóricos, peço que provem o gosto da saliva, a sina dos amantes inconsoláveis. Não é nojento como falam, é combustível dos mais renováveis. É uma consumação de magia, uma religião da sacristia dos pagãos.

quinta-feira, março 27, 2008

Vida escolar

Alguns estudam e notam uma realidade que não esperam. Alguns estudam e se fecham em uma crosta, em um canto sem alma, em frios hábitos, com lábios frios e parede umedecida. Alguns estudam e se entusiasmam demais, falam demais, sorriem demais, são a demasia, sem negação e nem introversão. Alguns não estudam. Alguns jamais estudaram.

A escola de uns é uma etapa. E a etapa de outros é a escola de muitos.

domingo, março 23, 2008

trecho 5.

Em uma parede escura
num castelo muito antigo
há uma pintura que deveria ter sido bela
porque as pessoas não param de olhar para ela
e sentar-se ao redor
para ouvir histórias

essa pintura está muito feia
gasta pelo tempo
muito velha
a minha mãe não iria deixar que eu a trouxesse pra pendurar em casa

o artista pintou um Cristo
de braços estendidos
todo espasmos
sofrendo o martírio mais cruel da época

A dor era grande, mas Cristo sorria
e contava muitas histórias para quem chegava ali
alguns adormeciam embalados no torpor
e outros escutavam vidrados - ou desconfiados

e enquanto eu ouvia

via vultos arrastando-se como traças
ao redor do corpo de Cristo na parede escura
ladeado por seus pobres apóstolos feitos de pastel
e sua mãe que pranteava inconsolada com a perda
a angústia eternizada em seu rosto lacrimoso
exultantemente devorado por um verme
que encontrou uma iguaria excepcional

que mistério doloroso na história sobre a cruz!

os buracos, segundo me disseram
deixaram de ser furos há séculos
são grosseiros rombos sem remendos.

eu visitei o quadro na parede escura
querendo afastar uma dúvida
que sufocava meu coração
e Cristo disse-me assim:
-volto em 3 dias, qualquer coisa deixe seu recado com Maria Madalena.
Aí fiquei puto da vida. Respondi assim:
olha, Sr. Cristo, eu prefiro que o senhor volte com uma história melhor...





Feliz Páscoa pra vcs :D

sexta-feira, março 21, 2008

Somente esta

De mil palavras pensadas,
do grande mar de espinhos,
como ondas que vão e voltam;
como o retorno do mar
que prenuncia a tsunami.

Os versos ferem meu dia
que fica assim, todo
difuso. Ferem no ônibus,
ferem numa conversa,
numa caminhada, numa leitura.

E tudo se esvai, some.
Desaparece no mar infindo
das palavras de um
poeta, que não pode a
todas contemplar e atender.

Borboletas e pássaros
pedem a voz em
linhas estreitas.
E voam expulsos
pelo exagerado tempo.

Que esperem as vis
palavras, diante das
eternas idéias! Pois
em linhas tão estreitas,
somente esta entrou.

domingo, março 16, 2008

Olhares atentos para o mundo que transborda de si

No livro que mandou a mim, o poeta e cronista Rubens da Cunha agradeceu minhas leituras sempre atentas para seus olhares sobre o mundo. Olhares tão bem registrados pelas palavras. Retratos da consciência, que em seus escritos Rubens demonstra ter, de ser um sujeito imerso numa realidade mundano-social aprisionadora do próprio ser humano, da qual tenta ao máximo extrair algo que o alimente, que se junte aos alimentos diários da leitura e da escrita, ou que sirva de alimento para um desses dois “vícios” que apresenta ter. O escritor de Aço e Nada, livro recém lançado pela Design Editora, é um sujeito dividido em diversos modos de ser/pensar/agir, presentes em diferentes crônicas-quase-contos do livro, que se complementam num só.
Após dois livros de poesia publicados, Campo Avesso (2001, Letra d´água) e Casa de paragens (2006, Editora da UFSC), o escritor de Joinville (SC) divulgou sua produção em outro gênero literário, o da crônica, e lançou um livro com algumas das que escreveu entre fevereiro de 2004 e março de 2007 para o caderno Anexo, do jornal A Notícia, onde publica todas as quartas-feiras.
Para mim, e creio que para muitos outros leitores, são releituras a se fazer das crônicas presentes no livro. Ora mais densas, ora mais suaves, ora críticas ora não, ora mais poéticas ora mais objetivas em determinados assuntos, ora também quase-contos, transbordando sensibilidade e poesia, as crônicas foram separadas no livro em quatro diferentes partes, com as últimas crônicas de cada parte dando nome à mesma correspondente: Os animais dentro, Olho vigiador, O corpo da gratidão, O morador das palavras, que bem estariam encaixadas se não houvesse divisão, uma vez que a escrita em si do autor apresenta um traço muito bem caracterizado, sendo possível reconhecê-la à distância, encontrá-la, por exemplo, nos poemas-aço que formam sua Casa de paragens: nos cômodos da sua casa-corpo, nos mínimos detalhes da natureza, e nos animais-moradores-de-seu-corpo: na dor corpórea da alma; na fragilidade de ser humano.
Um olhar sempre constante nas crônicas do livro (e também nos poemas do Casa) dirige-se aos animais. Estão eles dentro do escritor Rubens, ao redor, nos olhares, nos sonhos, na memória. As crônicas de Os animais dentro trazem um pouco dessa relação, assim como duas outras crônicas, localizadas em outros compartimentos do livro, como a crônica “Antologia”, presente junto às crônicas de O morador de palavras, na qual Rubens afirma serem os animais “poemas de Deus”, e os compara brilhantemente a diferentes formas de poemas: a borboleta é o hai-kai, “mínimo e preciso”; o cavalo é o soneto, “a elegância poética”; o tigre, poema perfeito, sendo “Um tigre preso num zoológico, ou circo qualquer, o poema de arrependimento de Deus por ter escrito o homem”.
Também, a crônica “Os observadores”, localizada junto às crônicas em O corpo da gratidão, em que o cronista afirma falar muito dos animais em seus textos: “são imagens recorrentes, já que ainda não descobri elementos mais poético na natureza e mais propício às buscas metafóricas que pratico”.
Ainda, nas crônicas de Os animais dentro pode-se encantar com outros modos de ser animal, com o ser humano e suas formas de pensar, sentir e agir. O encantamento que se tem com Miguel, o menino que fugiu com o vento; com a solidão, abandonada em um sapato qualquer estirado sobre o asfalto; com o retrato descrito do Rubens que se era e do Rubens que se é, pouco diferente por fora, corroído pelo tempo-humano por dentro, um homem do seu tempo, mas carregando uma alma ancestral ao caos moderno; com a mulher que se salga por dentro para se libertar e com a que goza ao cheirar as pedras que separam as praias de Itaguaçu e Ubatuba; com a mulher-fortaleza derrubada pela paixão; com o menino envolvido em seu universo, “um barranco cheio de buracos mais argila”; com o cão no ponto de ônibus, perturbando a rotina do homem; e com Dona Ernestina, a poeta que “não cresceu e por isso ficou maior que tudo”, a poeta que sopra hai-kai como “por entre as nuvens, o sol caiu no lago, saiu molhado”
Nas crônicas de Olho vigiador, Rubens da Cunha apresenta seus olhares “adestrados na busca de pequenos absurdos humanos”. Olhares atentos para os habitantes e para a sua, até o momento, casa de paragem, cidade na qual nasceu e em que vive. Os chapas, “fantasmas diurnos”, uma vendedora de cocadas, com “a fome atravessada nos olhos”, o malabarista, que “finge o tropeço, finge o riso, finge o agradecimento”, o jovem que “quer trocar 1 Real por duas canetas”, os “indiferentes na indiferença urbana”: “Há neles agonias impossíveis às palavras”.
Pela cidade também que o Rubens cronista busca o assunto para suas crônicas semanais. Nas manhãs de domingo, em que “tudo que é normal dorme, tudo que é banal está fechado”, nas pessoas por quem passa, nas vozes e meias-conversas que ouve, ficando sempre “um pouco mais repleto de fascínio que a cidade lhe oferece. Seja nas imagens, seja na fala anônima de sua gente. (...) que revelam instantes vastos de poesia, ainda o melhor antídoto contra a cegueira medíocre que nos atinge a vida continuamente”.
O corpo da gratidão qual será? Um lobo em dia de caça, o domingo de visita dos netos, o sorriso, os transplantes, um rio despoluído? A gratidão é a mãe, é a noite, é um poço de contrários, “é uma inutilidade feita apenas para agüentar o peso do mundo: um poema perdido entre os cadernos; flores nas beirais das casas; fotografias”.
As crônicas que formam esse corpo da gratidão revelam ainda mais disso que ela é para o cronista. A natureza, recoberta de poesia, que, “sem avisar, põe sobre a cidade um lençol branco”; o vento, “Espada solar”, aquele que “veste de umidade a carne urbana”, que “Nas madrugadas volta, amante sorrateiro”, e então é possível ouvir as palmeiras gozando novamente; os eclipses e arco-íris, “choques de loucura, (...) retornos, lembranças que acontecem para nos animalizar de novo”; o olhar atento do pai para o filho recém-nascido, ainda frágil para a ação do verbo viver; a revolução da delicadeza, mesmo sendo “bem mais fácil matar alguém toda manhã do que descrescer”.
A gratidão também moldada pelo fluxo inexorável da vida cotidiana passando por cima do tempo e do espaço, de amizades antes fortalecidas; pelas “pequenas desafinações no ritmo monótono da vida”, os inusitados presentes no dia-a-dia, como um beija-flor entrando numa sala por engano, um poema anônimo dentro de um livro, um pensar em alguém e esbarrar com esse alguém na próxima esquina; pela conjunção “se”, “Palavra-abismo”, reveladora da eterna condição de metade do ser humano; pelo tempo (cabeça-passado, tronco-presente e membros-futuro); pelo sentir que animaliza o humano; pela contradição, a “máquina raio-x da vida, que diz aquilo que somos, que nos humaniza pela fragilidade”.
As últimas crônicas do livro, morando no capítulo O morador de palavras, são as que melhor retratam a relação do poeta e cronista Rubens da Cunha com aquela que é sua ferramenta de trabalho, senão diária, quase que isso: a palavra, e as ramificações que ela faz existir: a língua, a leitura, a escrita.
Presentes nas últimas crônicas encontram-se reflexões sobre a língua portuguesa, a qual, segundo Rubens, é no erro que se torna poesia: “puta de esquina, freira de claustro, mulher amarga e doce, barroca lavadeira esfregando-se mundo afora”; sobre a poesia, para o autor tão parecida com o bambu, este também “pouso de pássaros, criadouro de sombras, paragem do vento”, a poesia também mãe deste filho poeta e cronista, que mais do que tudo deseja ardentemente sempre “Sentar naquele sofá-estrofe no canto da página. Beber um verso-café feito na hora e nada ouvir além da chuva teimosa compondo um outono frágil”; sobre o analfabetismo que carrega dentro de si, o musical, restando a ele apenas metaforizar músicas e instrumentos, sendo Beethoven, por exemplo, um rio de águas negras, e uma orquestra sinfônica uma tempestade às seis horas da manhã; e sobre a leitura, esta abortada pela velocidade cotidiana, e o ato de ler, a ação de “vencer o medo de afogar-se e nadar onde não encostamos os pés no chão. (...) Ler é doar-se em solidariedade consigo mesmo. Ler é difícil”.
Nas últimas crônicas também é apresentado ao leitor o Rubens da Cunha escritor. O morador da palavra exílio (ou seria apenas mais um dos personagens marcantes no livro?). O escritor por prazer, por sentir o sangue correr em seus abismos, pela águia, fazedora de poemas, quando voa, melhores que os seus. Escritor “para que a alma retorne ao corpo”. Pela dor: “O papel me dá seus ouvidos e demais buracos gratuitamente. O papel é uma prostituta apaixonada. Escrevo para gozar e porque tenho bom vocabulário”. Pelo poder de ser escritor, pelas máscaras que colocam sob os escritores. “Por aquilo que não explico quando olham para meu texto e dizem que eu escrevo difícil. Escrevo porque é fácil ser difícil. A simplicidade é para os gênios. Eu não sou gênio. Sou mais um cego teimoso”. Escritor por maldade, por instinto, por covardia, por alegria, “por estar preso nesse cárcere e porque aprendi a mentir desde cedo”.
Bom se existissem mais mentirosos assim.
__________________________________________________________
Resenha publicada na edição de março da revista virtual de literatura e arte, GerminaLiteratura.

Í.ta**

quinta-feira, março 13, 2008

A se dizer

Não há nada a se dizer no momento
Nada a proferir a auto-contento
Só resta apenas o vazio silêncio.

Silêncio duma mente que não pensa
Mente que à vida é inreativa
Alma que vagueia ao mundo passiva.

Mente entrecortada por pensamentos
Corpo paralizado na indolência
Mente que com o corpo é ausência
Corpo que à mente é aborrecimento.

Substantiva e substancial
Matéria que com a mente constitui
A essência que em alma se dilui
Com'átomos em vazio espacial
Mente e corpo nada são afinal...

sábado, março 01, 2008

É pau, é pedra, é começo...

Dizia Tom, sem nenhum tom,
O Jobim no piano, no soprano
Que dedilhava no violão,
Que eram águas de março
Fechando o verão,
A promessa de vida
No teu coração,
A música, a melodia,
A cantiga da minha
Solidão.

Era pau, era pedra, era começo
Do toco queimado, do pescoço
Degolado.

É pau, é pedra, é Elis cantando
MPB, é rapaz sambando
A cultura brasileira, a conversinha mineira,
Os miseráveis nordestinos, o papagaio altivo.

É pau, é releitura da pedra
Da cultura brasileira, que agride
A selva interna, a relva que espera
A onça estrangeira.

As águas na estação
Sujas pela poluição,
É a promessa política
Do Brasil sem perdão.

Obrigado Tom Jobim pela composição que inspirou essa poesia, totalmente.
Essa é a realidade bizarra que vivemos (...).