"A POESIA AO ALCANCE DE TODOS
1ª lição
Rosa daninha:
Você quer que eu te ensine poesia e se confessa envergonhada da própria ignorância. Mea Culpa, Rosante! Não te ofendo por ruindade, mas de leviano que sou. Teus versos são maus, mas puros – o que é uma qualidade. Falta informação, cultura a você – sensibilidade você tem de sobra. Ler O Estrangeiro do Camus e gostar, na tua idade e com a tua formação, é algo admirável por si só. Entretanto, você acha Drummond um chato, o que é um crime de lesa-pátria. Certas coisas são sagradas, Rosinha. Não existisse Drummond e hoje eu seria um próspero vendedor de ações. O mal dele é que encalacra na gente, como certa menininha, princesa de castelo, que eu conheço. Às vezes escrevo versos e percebo que há mais alguém participando da tarefa – esses malditos fantasmas, grandes demais para caberem no túmulo. Vivem se metendo na obra alheia.
Mas vamos à aula de poesia.
Artigo único: poesia não se ensina.
Está encerrada a lição. Mas, para não decepcioná-la por completo, falarei da poesia em geral, já que não posso ensiná-la. Antes de mais nada, dê uma folheada em algum manual de literatura (serve enciclopédias, daquelas que o teu pai compra em metro) para familiarizar-se ligeiramente com a História. Itens de pesquisa: Homero – Classicismo – Barroco-Arcadismo (ou neo-classicismo) – Romantismo – Parnasianismos – Simbolismo – Modernismo – Concretismo.
Pronto? Ótimo. Se não entender alguma coisa, não faz mal: esse pessoal todo já morreu, e em geral eram muito chatos. Conclusão primeira destes três mil anos:
- a poesia não é rima
não é forma
não é metro
não é papel cuchê de primeira
não é assunto
não é necessariamente música
não é estrofe
não é profundo mergulho na individualidade humana
não é uma borboleta voando
a poesia não é nada.
ou seja
que porra é a poesia?
Conclusão segunda da revisão histórica (preste atenção, Rosânida!):
- como não há mais nenhum discípulo de Homero e a Grécia virou uma bosta, como os clássicos da Renascença eram muito posudos, como os barrocos faziam piruetas, como os árcades só cuidavam de ovelhas, como os românticos morreram todos tuberculosos, como os parnasianos eram a última raspa do tacho da boçalidade acadêmica, como os simbolistas compensavam a falta de assunto com Iniciais Maiúsculas, como os modernistas envelheceram, como os concretistas, práxis, poetas-processo e suas cinco milhões de dissidências cooptaram todos pelas agências de publicidade:
ESTAMOS LIVRES!
HIP! HIP! HURRA
Não é um alívio, Rosaflor?
Isto facilita as coisas. Por que buscar um fio de meada que talvez tenha se perdido para sempre? Ora, a solução é cristalina. Não existe a meta-poesia?
Pois acabo de inventar a mata-poesia.
A mata-poesia (nada a ver com ecologia!) propõe o assassínio da Poesia. O Esquadrão Matapô não terá piedade: matará, estraçalhará, estrangulará tudo o que aparecer por aí sob o codinome de Poesia. O filho da puta do poeta que aparecer com textinhos mimeografados, com vanguardas obsoletas, com tiradas de cinco estrofes, com rimas ou sem rimas, com vaguezas sonambúlicas, comícios e aquilhos, saudades, dores, fragmentação do ser, trocadalhos e poemas em geral, estes comerá o pão que o diabo amassou. Para se filiar ao Matapô basta ser poeta e colocar seus préstimos a favor da destruição final da poesia. Vamos extirpar de vez esta vergonha nacional, esta horda de mendigos bem nutridos. Ofereçamo-nos em holocausto. Ave!
Rosance, essas cartas me estimulam! Refaço agora o título da aula: onde se lê A POESIA AO ALCANCE DE TODOS, leia-se A POESIA AO ALCANCE DO BRAÇO DE TODOS.
Porrada nela!".
Livro: Trapo
Autor: Cristovão Tezza
Editora: Brasiliense
Ano: 1988
pp: 113, 114, 115.
terça-feira, julho 22, 2008
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2 comentários:
quando li, pensei:
vale a reflexão proposta. não um simplório "certoxerrado", "concordoxdiscordo", mas sim um (re)pensar a poesia que lemos e que escrevemos.
í.ta**
Quando os gregos usavam uma métrica, não era questão de estilo, era algum fiapo de referência.
Hoje em dia há muitas outras, e muito mais ricas.
Criem, "matadores-de-poesia", haha.
Abraço, Ítalo.
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