A mulher entrou no carro outra vez, bateu com a mão na testa como quem acaba de lembrar qualquer coisa e saiu, de novo.
Andou depressa de volta à loja, aquela loja enorme. Entrou de cabeça baixa, como quem se esconde; desnecessário: certamente ninguém a observaria.
Espremeu-se por entre o povo, o estabelecimento lotado dos que deixaram o presente para a véspera. Andou um pouco por entre as prateleiras, ansiosa. Pegou qualquer coisinha pequena, só para disfarçar. Dirigiu-se apressada em direção aos caixas e meteu-se na maior das filas. Apreciou por um momento a distância a ser percorrida, deleitou-se com a espera enfadonha que teria, era certo.
A excitação era absurda, tamanha a lentidão com que se deslocava, tamanha a zanga dos que estavam atrás. Passados quinze minutos, meia-hora, ainda era enorme.
Tentava conter-se, permitiu-se apenas alguns sorrisinhos disfarçados. A intervalos regulares, moldava uma carranca e resmungava a lentidão, amaldiçoava o gerente, só para se misturar ao coro da multidão.
Passada uma hora, talvez, o calor já insuportável pareceu piorar. Alguém ali atrás disse que o aparelho de ar condicionado parara. Rugiram palavrões gerais. O suor fedia, a umidade somava-se à pressão dos corpos. Era demais; a mulher precisou dar uns pulinhos de satisfação, que não arranjou desculpa para camuflar; indiferentes, ninguém reparou.
O aroma denunciou um pum. Os mais próximos amarraram a cara, pediram uma gota de respeito. A mulher entrou em êxtase; esta, sem dúvida, estava sendo a melhor espera do dia.
À medida que se aproximava mais e mais do caixa, a agitação se moldava em ansiedade. Ela procurava ocultar seus tremores, rangeu um tanto os dentes. A mulher do caixa a chamou, ela fingiu uma surdez muito mal. Chamou outra vez, mais alto. As pessoas atrás já a empurravam, não era mais possível postergar. Deixou que passasse o produto na máquina, pagou no cartão e saiu, a cabeça baixa.
Abriu a porta do carro e entrou, jogou o produto de qualquer jeito no banco de trás, junto aos outros treze. Agarrou o volante com as duas mãos e tamborilou, tentando se convencer de uma calma que não tinha. Mirou a loja, fechou os olhos com força. “Só mais uma vez, só mais uma”, pensou. Olhou para os lados, bateu com a mão na testa como quem acaba de lembrar qualquer coisa e saiu, de novo.
3 comentários:
é uma mulher audaz, eu diria.
um,
doce distúrbio
Soltar peidos e continuar ansiosa para sair, sem vergonha alguma, no calor, é quase desumano.
Digamos que ela estava agüentando seus próprios fedores por um bem maior.
fanfarrão, hein joselito ?
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