terça-feira, dezembro 18, 2007

Teoria ou "ponto de vista"

Notícia de um jornal diário:

Jovem é estuprada durante uma passeata pela paz, na Rua Brigadeiro Faria Lima, travessa da Avenida Paulista, no último dia 12. A depravação aterrorizou por ter sido cometida à luz do dia, sem nenhum conflito com a polícia e com diversas testemunhas. O criminoso permanece foragido.

Relato de um estudante do curso de Letras da Universidade de São Paulo:

Eram onze horas. Onze e poucos. Os ônibus vindos da Cidade Universitária estavam todos atrasados, meus olhos estavam bastante irritados, meu físico estava um caco, mas o propósito guiou minha motivação, meus passos.

Marchei algum tempo com as pessoas, em uma caminhada irregular, em algumas esperas. Vi o alvoroço nas ruas, as caras estáticas, as tábuas pálidas e os rostos indecifráveis. Via a moça berrar de dor, gemer por sua vida, enquanto ninguém fazia nada.

Gravação de uma senhora de setenta anos:

A passeata sempre foi um costume aqui em São Paulo, por isso sempre tentei ir quando pude, quando minha saúde permite. Últimamente tem sido perturbador. Andar na cidade é um filme de horrores, não é como meu tempo, ah, aqueles anos (...)...

Vi a pobrezinha pedir por ajuda, vi alguns senhores tentarem abrir passagem para fazer alguma coisa, mas o nojo, o asco de ver aquela situação constrangedora, aquele ato desumano, me fez apertar o passo, com medo que aquela aberração acontecesse também comigo. Temi por minha vida.

Diário de um psicanalista:

Estava colado com a garota que foi estuprada no dia 12 desse mês. Poderia ter feito algo, poderia ter impedido que ela tivesse sido violada pelo homem, mas, de alguma maneira, o criminoso era extremamente sedutor, com uma falta de pudor que paralizou todas as pessoas. A própria garota, embora gemesse por sua integridade moral, gemia por um certo prazer. O nosso próprio terror é um tipo de regozijo que, por mais que neguemos, está presente em nosso corpo.

Aqueles que estavam olhando nos olhos do assassino da ética, sem estar embolado na multidão, eram contagiados por sua malícia e sua precisão. Ele nos chocou, nos atraiu, violentando a moça e saindo sem nenhuma conseqüência para si. Fez isso tudo, isso poucos jornais noticiaram, portando uma faca do tamanho de um canivete. Um pedaço de ferro legitimou o ato sexual dele.

Gravação de um pai de família, por volta dos trinta anos:

O estuprador apareceu, sacou um revólver, deu três tiros para cima e raptou a moça. Meteu nela umas sete vezes, gemendo ameaças em seu ouvido. Pensei em proteger minhas filhas, já que a polícia estava à caminho.

Depoimento de um jornalista presente na rádio local:

Foi uma indignação presenciar aquela cena, onde o estuprador usava uma granada para afastar as pessoas. Violentou a moça, mas foi retirado à pontapés pela multidão. Como a Paulista é enorme, não foi difícil para ele fugir.

Pequeno texto embaixo de um desenho de Jonathas, 8 anos, em seu colégio:

Vi a moça e o moço se mexendo na parede, soltando barulhos esquisitos. Ao redor muita gente gritava, muita gente xingava, meu pai falava, minha mãe chorava. Os que tava mais perto arregalava os olhos, mas pareciam como na missa do padre, meio sérios.

5 comentários:

Guilan disse...

Por um instante achei que fosse real!! E até estava indignado com essas atuações impassíveis!

Guilan disse...

extremamente bom. você se supera.

Lau disse...

e não era real ?

Pedro Zambarda disse...

não.

Fabulário Blog disse...

Gostei Pedro,

muito bacana a contrução do texto.
vou tentar acompanhar a produção!

Abraços
Luiz, do Fanzine Fabulário