Uma grande discussão invadia os corredores,
Invadia os ouvidos credores, devedores
De conhecimento, sofredores.
As vozes bradavam apaixonadas,
Num descaso claro
Com a crítica e a sinceridade revoltadas.
Naquele teatro cego,
Minha voz revirava aberta,
Numa febre alerta
De permanecer bela.
Naquele teatro liberto,
Estava aprisionado em meu discurso,
Naquele espetáculo repleto
De idiotas, reprimi rápido
O vagabundo.
Discurso prolongado
Propositadamente, literalmente
Abandonado aos fluxos da retórica,
Aos repuxos da história.
Um pouco de Marco Túlio Cícero,
Sinceridade envolvente, discurso inteiro
Baixando a guarda frente ao despotismo.
Um pouco de Caio Júlio César,
Deturpando várias eras
Pela artilharia, sem cessar.
Cesariamente imperioso,
Ciceramente persuasivo,
Meu discurso, recurso
Romano e momentâneo.
"Então dois ossos roídos me assombraram...
- 'Por ventura haverá quem queira roer-nos?!
Os vermes já não querem mais comer-nos
e os formigueiros já nos desprezaram'."
Augusto dos Anjos
Condensarei agora, num instante,
cada frase, pensamento ou teorema
que, na alternância entre insânia e razão,
tenha sumido ou se calado.
Ó heliogabálico homem!
vê a vida num momento,
num momento vê a vida:
sibilante, cruel, irreal e real.
Vida? Momento?
Instante? Desespero?
Sofreste? Acabou seu namoro,
sangrou seu nariz, quebrou seu braço:
Sofreste? Saiba que não:
quão terrível é a dor daqueles
que entendem que a vida é uma aranha
a fiar seus destinos com fios negros?
Pior os fadados
a afundarem em estudos
e entenderem que a homogênea massa de carbono
é sua melhor amiga...
Homo sapiens? Homo infimus!
Saco de matéria orgânica!
Imponente conjunto de células
que perante o primeiro vírus se ajoelha.
E os doentes? Pobres e esquecidos enfermos!
No velho a tremedeira incontrolável
graças ao Alzheimer que o assiste; a angustiante
orbe ocular de uma criança morta de fome!...
Alucinógeno ou sonho? Real ou irreal?
Estou em uma cama – e dopado! –
ou sonho estar em uma cama;
também dopado?!
(Quanto mais desejo o absurdo, mais ele se afasta;
seja o suicídio...
seja a garota pequena e suja que come chocolates
e não faz idéia de nada – e nem quer fazer.)
A assombração deste momento
se reflete na pergunta:
por que me deste, minha Mãe, consciência
para ela pesar durante minha vida inteira?
24/04/2007