segunda-feira, outubro 29, 2007

Brincadeira de boneca

Era uma garota sempre atarefada,
Estava rodeada de pessoas, abafada
Pelo uníssono da multidão, abraçava
Muitas figuras, era sempre muito quista,
Muito mista, carregava muitas listras na bolsa.

Mostrava fotos de auto-promoção,
Fazia elogios para graduação em relacionamentos,
Era um tormento quando falava, ao som de fundo
Das bijuterias que chacoalhavam ritmadas, incômodo.

Tinha o melhor namorado,
A melhor morada de idéias
Junto com a melhor roupa,
Era uma imagem alheia,
Inerte, areia de um deserto.

Tinha os melhores momentos
Memorizados num relento
Impuro, num saudosismo fajuto.

Era dona do melhor beijo,
O eixo de sua comprovação barata,
Era uma caipira no sentimento, uma lorota
Em procedimentos mais profundos.

Adormecia pensando que a vida era uma fantasia,
Mas não esquecia suas doses diárias de cocaína,
Uma bituca no cigarro e um mergulho na caipirinha.

Adormecia pensando que a vida era uma fantasia,
Quando queria mais é tornar os fatos artificiais,
Os sentimentos anormais, necessidades mais canibais,
E devorar a virtude companheira sem mastigar.

Era um rostinho lindo, redondo e coberto por mechas loiras,
Talvez fosse uma morena esbelta, uma modelo dos açoites
Internos, que são gerados nesses regimes loucos.

Era um rostinho lindo e trágico,
Uma brincadeira de boneca
Com um projetor rolando cenas
De filme de princesa, hábito
De ditadora, perfume de moleca.

sexta-feira, outubro 26, 2007

Inutilia


Minha cabeça é um amontoado de amontoados.

Bagunça pessoal, interna. A pseudo-cultura me (nos) derrota;
versos queimados em fogueiras-imitação-de-cultura;
lampejos geniais tornados ridículos;
criação impedida por incapazes de idéias
efêmeras: invocadores cotidianos do luxo
mais-que-importante, necessário (imbecilidade
engarrafada), vendido. Mentido
tem aqueles banais consumidores do ócio:
ridicularização do conteúdo invulgar;
metafísica dos lançamentos,
porvorosas épocas inúteis:
natais! anos novos! páscoas!
Antínoos clonados, rebanho
midiático, rapsodos dos modismos!

Vinde a mim os fúteis, diz o Messias do Século XXI.

25/10/2007


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Originalmente criado para publicar-se na comunidade "poesiaPT" do deviantArt, cujo tema deste mês é "Vazio".

quinta-feira, outubro 25, 2007

Está Tudo Bem

Esta roupa, este ar, este tempo já não cabem em mim. Talvez tenha engordado, as narinas tenham se fechado, ou foi o tempo que passou. Ou uma angústia daquelas, da meia-idade, tenha finalmente aparecido pra me instigar arrependimentos, a pensar ‘se...’, ‘se não...’. É o típico momento de recapitulação, que acaba uma capitulação pela impossibilidade de voltar. Cada mulher, poucas, relembro, despedaçadas; a boca e os seios de Luciana, a cicatriz nas costas de Bruna, as pernas loucas de Letícia, o cérebro e o gosto de Julia, de quem ficou a amizade. Só não recorto Madalena, essa vejo toda, porque todo tempo a vejo. Aqui e ali, no quarto, levando o Murilinho pra escola, me beijando em selo a boca antes de saírmos e nos separarmos; depois, à noite, no reencontro. Vamos nos acostumando e criando rotinas com as pessoas, como foi conosco. Hoje eu não poderia olhá-la e gritar, gritar e abraçá-la bem forte como às vezes penso em fazer. São códigos. Fazemos, enfim, passam; está tudo bem, fizemos. Mas agora o desejo de quebrá-los todos me vem mais e mais forte. Chego a imaginar com ardor uma frase absurda em cima da cama, de pé, dita a ela num assomo de lucidez. Não poderia dizer depois: Amor, desculpa, foi loucura – tinha de ser a sério, como a vontade se me anuncia. De sopetão, quebrar a hora, o bom-dia. A cara de Madalena estampada no rosto , aquela de mulher que faz acontecer. Quantas vezes não penso em dizer, Puta!, Maldita!, Piranha!, aos berros, sacudi-la e ver o que sucede. Dizer palavras insensatas, impuras, e mordê-la na boca como nos inícios dos nossos namoros no banco de trás do carro. Mas é ela ali, a mulher que pariu, que escolheu o carpete e minhas camisas; que fez o jantar e se lavou depois do sexo; que me fez sentir dispensável, mas não completamente; que cuidou da casa, dos filhos, do trabalho e continuava se desvelando por nós, pela família! Família esta que era e é minha nova identidade. Como eu, em um egoísmo absurdo, poderia quebrar esse elo todo estável, de palavras e ações em rede, interdependentes e dosadas de certas emoções certas? Quando ela chegou ao quarto, eu deitado na cama com os olhos hipnotizados na imitação de um Dalí na parede:
-Oi, amor. – me beijou – Que foi? Tudo bem?
-Nada não. Tá tudo bem.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Verbonominal Transgressão

Transgrido, transgressiono o algoz
Aquele que me pressiona me impressiona
Com sua altiva capacidade de convencer

Convencer-me a tentar corretamente escrever
O atroz idioma...
Que a verbos flexiona e me curva
Minha visão de criativez turva
E eu transgrido ele! Ah se ele transgrido sim!

Rompo! O desmantelo! Apresento-lhe seu descalabro!
Sua ruína!
Fascina até o facínora que escreve
Que se atreve a desafiar, desafinar
Toda a consonância léxica

Apegando-se aos valores semânticos de composições e derivações impróprias
Mas o que são derivadas senão meras funções?

Funções! Sintáticas, escalafobéticas, matemáticas!
Mate! Má! Ticar!

Escalofobia! Medo! De escalas, escadas, fobia, pavor...
Devaneios de uma alínea e linear linha de luci... dez?
Que luz nas trevas de pensamentos?
Que luz na escuridão do tormento de não saber?

Escrever? Não mais direitamente.
Para que penetrar surdamente se o silêncio estraga a diversão?...

Infrinjo! Gasto meu célebre cérebro, célere também!
Como uma onda, vai, vem...
Como na estação um trem. Outrém...

Para que não usar-se de digressões
Agressões à coesão! À coalizão, máfia do idioma
Indústria que julga a cultura; juga...

Para eles, o real
Idioma é cutura
CU tura
Cobretura
Cobertura
Fachada
Farsa
Falso
Fosso.

terça-feira, outubro 16, 2007

Apenas mais um

Sou um homem médio
De estatura média,
compleição média, classe média,
capacidade média, inteligência média
medida pela sociedade média padrão.

Vivo no meio do caminho,
sou um arauto do quase.
Tenho uma quase namorada, que quase me ama.
Tenho quase amigos que quase se importam comigo.
E quase sempre tento manter as coisas em ordem,
embora quase sempre não consiga.
Eu quase consigo amar.

Sou homem comum,
Daqueles que passam despercebidos na multidão,
às vezes até mesmo quando sozinho.
Minha família não me ama, gosta.
Meus conhecidos não me gostam, simpatizam.
Meus inimigos não me odeiam, desprezam.
Também não me arrisco em aventuras desenfreadas
nem desfruto da tranqüilidade dos pacatos.

Cristo, que vida inútil!
Vida que não é vida nem morte,
vida que não consegue sequer ser não-vida.
vida insensível, invariável,
vida matando vida, matando tempo,
apenas esperando seu enterro passar.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Júlia

Ela é muito feminina. Júlia. Perfeita. Sublime. Uma musa.
Desperta os sentimentos mais profundos e sinceros de todo homem que a avista, sem falar dos desejos lascivos.

Lábios perfeitos. Só de imaginar seu beijo em minha face imberbe, tenra e quase imatura, surgem em mim efeitos fascinantes. Creio que já gastei incontáveis horas no banheiro por causa dessa mulher. Ah, Júlia, que mulher.

Um adjetivo? Tesuda. Antes vulgar do que insincero. Tais curvilineidades provocam cócegas de prazer. No íntimo das mentes masculinas (e lésbicas, bem provável).

Lábios perfeitos. Júlia. Quero adoçar minha boca com a sua. Exalto-a, tão perfeita quanto a sua pessoa. E que língua, deveras graciosa! Pedaço de paraíso. Sua língua, cuidadosamente comedida!

Julia II

Na poesia encontro a ti, Musa

Júlia, passional, destrói qualquer
Amor conjugal

Insinuante, que delícia humana.
Traz à tona escolhas aviltantes.

De baixa estatura, precisamente formosura
Delicada, incomparável deusa
Imoral, Dama do Mal
Faz de tudo para obter prazer

Lábios Perfeitos, Júlia
Mostre-nos suas pernas, nuas
Perfeitas para enterrar em jugulares.

domingo, outubro 14, 2007

Leitura preparatória para a redação

Sento e leio. Sou de um tempo efêmero. Sei sim que sou de um tempo curto, que não vou durar muito. Mas o costume matutino é um trabalho do Olimpo, um dever cívico. Sento e leio para conseguir viver.

Nas palavras que observo, recrio as minhas visões, meus conceitos durante o nascer do sol embriagado pelo meu bocejo vagaroso. As páginas vibram diante de minhas pupilas pacientes, incisivas, uma calmaria que rompe suas frases. Tomo a caneta tinteiro e redijo algumas frases soltas sobre a matéria do dia, o romance até seu término, a folha que não vai sair da minha frente até que a redação da Gazeta de Notícias comece a se mover.

A voz de minha esposa ecoa na minha mente, e a rosa que deixei na escrivaninha de nossa humilde casa acolhe ela como se fosse meu próprio carinho. O grande número de textos a escrever consome qualquer tempo que eu queira ter mais livre. Passo as mãos sobre a barba, ajusto o óculos, começa o expediente.

Escrevo minhas colunas, crônicas, matérias, tudo o que um informativo pode conter. E, enquanto componho, Quincas discursa em meus pensamentos, a velha católica e frígida lamenta na varanda, o menino Bentinho espera para pegar minhas mãos e proferir sua versão da história.

Escrevo minhas colunas, paro e repenso. O que estaria eu compondo?

Decido então escrever para o leitor, um expectador qualquer, para relatar minhas leituras preparatórias para uma simples redação como essa. Um texto sobre leituras, uma amostragem de um composto.

Vivi num século onde os escritores ruminavam suas próprias palavras, passavam horas se vangloriando do feito e compunham excessivamente, pois nada era suficiente. Ruminar uma idéia me fazia refletir se a repetição de pensamento valia a pena. Então mudei o foco, reescrevi o roteiro, repensei o método, o repertório.

Vivi num período onde ainda podia enxergar a palavra “Machado” lustrosa na minha mesa, nos meus documentos e na minha alma. Hoje, assim como Brás, não tenho certeza de qual tempo eu sou, em que espaço teço minhas construções.

sexta-feira, outubro 12, 2007

apartamento


primeira noite no meu novo apartamento velho. velho e usado, abandonado, ainda com meia duzia de móveis e pó, que ninguém quis comprar. a luz e a água ainda não foram ligadas, lâmpadas quebradas, privada entupida, marcas de chamas pelas paredes, forte cheiro de mofo e poeira velha. minha primeira noite morando sozinho.
o sol desce no horizonte, gigante e rublo como uma grande forja, tinge de laranja o seco e triste céu do planalto central. laranja-ferrugem, laranja-ferro, ferro do sangue dos corações e das almas desse povo.
na rua a poeira abandonada pela chuva que nunca vem. estendo meu lençol sobre o velho colchão sujo de suor e sangue velhos. me deito. fecho os olhos, não por cansaço, mas por tédio. amanhã acordarei cedo, procurarei emprego. mas, por hoje, o cansaço.
uma gota pinga da goteira do vizinho de cima, o prédio agoniza em silêncio. ao que parece, de todo o prédio, só dois ou três se mantém ocupados, e mesmo esses, por pessoas que não sabem sequer falar.
ninguém quer morar nessa desgraça, esse prédio abandonado, até os sem-teto recusaram. o que estou fazendo aqui ?
ouço as baratas andando pelo forro, ouço uma mosca ao meu ouvido, sei que perto da janela há uma aranha à sua espera; e no armário do banheiro, uma lagartixa parte em sua caçada. juro que ouço o surdo som dos cupins comendo os tacos, e das crianças na rua roendo as lixeiras.
o som dos carros na rua se abranda à um ou dois, eventualmente. um cão ladra sua solidão, um bêbado canta suas mágoas que do sétimo andar se ouvem, e sobre uma casa dois gatos urram seu prazer.
o sol já se foi, e uma anil luz brota do brigadeiro céu convalescente do nosso planalto.
ah planalto central. planalto central, inferno do mundo, planalto de desilusão, miséria e fome, terra onde nasci, onde muitos morreram, ou esqueceram quem são.
os barulhos da noite nascem surdos para tomar aos poucos meus ouvidos. a brisa venta, seca e quente como palavras enciumadas e enraivecidas. um grilo, uma cigarra e mil aleluias murmuram em coro sua canção pedindo água e respeito.
tarde da noite chega. a escuridão toma tudo por completo. e o silêncio vence por cansaço os inimigos que agora pisa.
seu antenor surge capisbaixo, indo de um lado à outro, arrastado as chinelas velhas e carcomidas. pára por um instante, me vê, e diz:
sabe meu filho, a vida é engraçada, você trabalha toda ela para construir alguam coisa, e um belo dia, descobre que isso num mudou nada.



(incompleto, prazo para término indeterminado. inspirado em: faroeste caboclo de renato russo, Confidência do Itabirano de carlos drummond de andrade, morte e vida severina de joão cabral de melo neto, e brasília, de juscelino kubitschek)

segunda-feira, outubro 08, 2007

A diva vazia

desperto

amortecido nesta cavidade

e esta entranha

toda exposta

maldisposta

recusa-se a cicatrizar


......
......

apresento-lhes

a Rainha das Meretrizes, Bocetrizes

Cuja lembrança resgatada

dos recônditos esquecidos

das dobras do ocaso

mais oca que um santo barroco

......

traga me o fim

o vácuo abismal

a escuridão perfeita

as pétalas da noite

que desenham verdades

acabou, por ora.

......

aquele grito

delicioso

delineia a noite

como maquiagem de pobre

um minuto depois

e já foi embora

hão de convir, sadismo autêntico

sobrou uma vã existência

vestida de negro

com seu mais estupendo

vaticínio - gracejante

......

A diva vazia, supérflua

de alma lânguida, álgida

aflige o escritor, chula

com puto poder de sedução

......

É o fim

Diva, traga me o fim

um abismo para eu cair

espadas para a mim trespassar

volto ao meu pó

o mais puro nada

este vazio?




...

domingo, outubro 07, 2007

Números, números, números

Trinta e dois, sessenta e quatro, noventa e seis,
Cento e vinte e oito, duzentos e cinqüenta
E seis; O número, capataz que atormenta
Que conta, que mostra, ferramenta de reis!

Quinhentos e doze, um mil e vinte e quatro
Simbolozinhos nos papéis protagonistas
Que matam, consomem cérebros em vãs listas
Exercícios pífios, temperam o teatro

Co'amaro sabor de necessidade plástica
Atualmente usado por matéria escolástica
Despido da real e verdadeira essência

Teatro da vida, onde fingimos ver
Que algo podemos com os números fazer...
Não calculamos! Por quê? Degenerescência!

O motor humano se esgotou mais uma vez...

sexta-feira, outubro 05, 2007

O gauche às avessas

"A felicidade é um estado de espírito, por conseguinte, não pode ser duradoura."
Oscar Wilde

"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena."
Fernando Pessoa


Passam horas, passam dias; passam pessoas, passam vidas. O amigo de infância que morreu baleado, o outro que se atirou de um prédio, as situações caracterizadas por um desespero imenso que – simplesmente – sumiu. Não é só você (ou eu) que envelhece: as idéias também. Cada algarismo passado é uma Revolução tornada ridícula. O amor que desmoronou. Nosso tempo não é o nosso tempo; cada dia é passado para trás antes mesmo de terminar.

As pessoas são tristes quando consideradas sem ênfase. Igualmente os momentos, eles são únicos. Poucos deles realmente vivemos; pela grande maioria apenas passamos. A preguiça escusa que rouba a hora potencialmente divertida; a preguiça cruel, oportunista, desgraçada. Seguida do arrependimento. Delírio de inferioridade constante. Enfatizar tudo é uma mentira: temos menos amigos que colegas, menos felicidades que amarguras.

O dia-a-dia é sujo e chato e azedo. Desequilíbrio. Sentir-se pendurado em uma janela desde a hora que acorda. O mito de Sísifo: levantamos nossa pedra (para alguns, pedregulho) e somos obrigados a vê-la rolar novamente para onde começaram nossos esforços; para o zero. Mas não é o morro e sua encosta que nos derrota; o peso do fracasso só é evidente quando se concorda em erguê-lo. Lutar contra o Fantasma diário, que nos alimenta de medo e mais medo.

O Absurdo é a verdade? Viver é mesmo fugir das ilusões e das luzes, de toda a (pouquíssima) esperança que temos? Eu não quero essa realidade. Louco, paranóico, estranho; prefiro ser um sonhador maluco do que um realista suicida. A sociedade fede, a responsabilidade fede, o amor-escravista fede: hei de comprar muito perfume!

Mais deprimente do que viver triste procurando alegria é viver alegre – ou quase – procurando a tristeza; o primeiro ainda vive, o segundo já morreu.

05/10/2007

De perto acontece.

Não há nada muito peculiar nesses dias, só uma conclusão velha que não pára de se manifestar como uma epifania à medida que entro em contato com seres humanos, tão semelhantes e distintos de mim.

Temos sim a constante necessidade de generalizar. E não adianta fugir ou encobrir essa verdade. Resolvi, então, simplesmente, passar por cima das generalizações e me aproximar das pessoas. Aproximar-me não emocionalmente ou psicologicamente, alegorias normalmente usadas nessas palavras, mas simplesmente de chegar perto, observar, abrir esses dois glóbulos que tenho e tentar construir algo produtivo nessa atividade.

Sumiram de mim as concepções de feio ou bonito, restou apenas uma noção básica de estética ligada à sensibilidade. Fiquei observando essas pessoas há horas e continuo com impulso de olhar, quase numa atração voyeur.

As monstruosidades ficam amostras. Mas não é para apavorar, uma vez que você tem sua própria criatura de estimação em ti. O monstro se prostra para você ingerir seus conhecimentos, suas dores. Doer é fazer contato.

Beleza então fica duradoura. Beleza então fica paradoxal. Eu fico com vontade de observar de diversas maneiras. Gosto de ser percebido ou de passar como um fantasma pelos outros. Mas o objetivo principal é ver, compreender suas limitações e seguir para a próxima pessoa. Se algum detalhe faltou, volte e reavalie.


Não quis, com essas palavras, parecer íntimo de todos. Quis apenas expressar assim como eu gosto de ver. Joguei as palavras no relento e descobri que, mais do que os significados, está a capacidade de significar. Mais do que a generalização, do que chamar a mina X de patty e o rapaz Y de intelectual, está a capacidade de chegar nesse veredicto. Acabei entendendo que o tesão da vida não é o julgamento, mas seu processo.

Está acontecendo agora. Vai morrer a qualquer momento.




Pedro Z, 05/10/2007.

Linhas inscritas em uma taça feita de um crânio

Não fuja – nem julgue a fuga de meu espírito:
em mim vejo o único crânio
do qual, diferente de uma cabeça viva,
tudo o que flui nunca é estúpido.

Vivi; amei; bebi – como tu;
morri: deixe à terra meus ossos resignarem-se;
complete-me! – tu não podes ferir-me;
o verme tem lábios mais nojentos que os teus.

Antes manter meu legado vivo
à acalentar a viscosa ninhada do verme;
e circular em torno da taça
a bebida dos deuses à comida dos répteis.

Onde uma vez brilhou meu pensamento,
em benefício de outros deixe, de novo, mostrar-se;
e quando, infelizmente, nossos cérebros forem-se,
qual mais nobre substituto que o vinho?

Beba enquanto pode; outra ossada,
quando tu e os teus forem como eu,
podes salvar-te do abraço da terra,
para rimarem e deleitarem-se com morte.

Por que não – já que durante a curta vida
nossas cabeças tão tristes efeitos produzem?
Redimidos dos vermes e da infértil terra,
essa chance é a delas serem úteis.

31/10/2006.

.

Esta tradução é de um poema escrito por Lord Byron - Lines Inscribed Uppon a Cup Made of Skull - do qual gosto muito. É uma sátira sobre um crânio encontrado na Abadia herdada por ele onde foi esculpida uma taça. Falta muita coisa nesta tradução: rimas e métricas. Perdão, mas ainda não tive paciência para remontá-la. Obrigado.

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Pois é... faz tempo que não falo a respeito dele, mas o quase-blog que criei - O Monólogo de uma Sombra - foi atualizado. Postei alguns textos que gosto bastante. Não me perguntem porque diabos resolvi colocar coisas lá, não fechá-lo: não sei. Simplesmente quis. Além do deviantART, queria ter algum outro meio de publicar minhas coisas (sem desmerecer o BlueWriters, mas desejava algo meu).

A url está ao lado, nos sites relacionados deste mesmo blog. Quem quiser visitar, agradeço.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Peleja

Os pássaros que caem do céu
Sobre seu sangue eu caminhei
Os gritos das mães, as asas contorcidas
Perdido entre penas e mártires

O vôo de algum dia, meu retornar
Ao que eu nunca fora
Expulso, jogado para o lado de fora
Esperando apenas por esperar

Nuvem negra descende em cascatas
A chuva tem gosto de vingança
E assim, feito um rasgo na comodidade
Aspirantes a deuses surgem da sujeira.

Ao amanhã as armas serão carregadas
Mais e mais casualidades ocorrerão
Não mais o cantar de vidas fugazes
Não mais o trair de vilões atrozes

The Dawn

Act 1- The Dawn

A menina sabia o que viria a seguir. Faziam anos que a tradição não era quebrada, mas seu teste vocacional acabara de confirmar o que ela já sabia. Não tinha vontade de ser espadachim. Dobrou o papel da resposta calmamente enquanto dizia ao homem a sua frente que queria seguir o caminho descrito na folha. Enqüanto o homem entregava-lhe itens imprescindíveis para um bom começo na sua profissão, ela pensava em como esconderia, pelo menos no começo, tal disparate à sua linhagem.
Tinha sangue da família Hopkins, antiga descendência de excelentes lordes. Toda a criança nascida em seu berço era imediatamente levada a um treino na arte de manusear espadas, que perduraria por anos, até que este atingisse a maioridade. Tornavam-se espadachins muito cedo, e a corrida de irmãos para mostrar mais talento era um espetáculo tenebroso apreciado pelo chefe da linhagem. Atualmente tal posto era ocupado por Werther Hopkins, seu pai. Ele teria o desgosto de não ver sua filha chegando em Izlude, e mal saberia que agora ela pisava em Alberta.
Andou pelas ruas empedradas da metrópole comercial até avistar o que parecia ser a guilda dos mercadores. Haviam alguns outros na mesma situação -ao menos aparentemente- que ela. Entrou na fila e dirigiu-se ao homem atrás de um balcão para candidatar-se a profissão.
-A inscrição custa mil zenys, mas se quiser pode parcelar em duas vezes. Uma agora e outra quando acabar o teste.
-Prefiro pagar numa vez só.
Talvez fosse sorte da menina que sua família fosse rica, mas certamente preferiria liberdade de futuro a condições monetárias. Desembolsou mil zenys, permitindo ao homem que desse-lhe um código e dissesse:
-Vá até o chefe do almoxarifado. Ele entregará uma caixa correspondente ao código. O destino é a Ilha Byalan, com a Kafra responsável pelo local. A ilha é acessível pegando um barco na cidade de Izlude, o marujo não cobra tão caro.
-Sem problemas. Voltarei o mais cedo possível.
-Ah! Se não for um incômodo, poderia levar essa carta a ela?
Surpresa com o pedido do homem, aceitou o pedido. Dirigiu-se ao chefe de almoxarifado, dise-lhe o código e o destinatário da encomenda e recebeu uma caixa do mesmo. De posse da caixa, seguiu até o norte de Alberta, onde uma funcionária Kafra atendia seus clientes. Mais uma vez a vantagem de ter dinheiro bateu-lhe na porta.
-Com licença, senhora, gostaria de um teleporte para a cidade de Izlude.
-Com prazer.
Sem delongas encontrou-se na cidade de Izlude. Faria de tudo para não precisar pisar naquela cidade, porque algum servo dos Hopkins poderia estar espionando a saída da guilda dos Espadachins, ou até mesmo toda a cidade, a procura dela. Espremeu-se por vãos entre as casas, fazendo o máximo para não ser vista. Olhou para o outro lado da praça central, e para seu horror avistou um dos capangas de seu pai. Virou o rosto e acelerou o passo. Uma mão a segurou. Sobressaltada, virou-se para ver quem era.
Um espadachim, menino, pela face infantil; desproporcionalmente alto para a idade que aparentava, olhava inocentemente para sua face.
-Desculpe pelo susto. De quem está fugindo?
Ela não conseguiu evitar olhar para o servo, e o menino, percebendo para quem os olhos dela apontavam, posicionou-se num modo que impossibilitava ao homem vê-la.
-Por que está fazendo isso?
-Eu... sei o que é fugir de alguém. Vai até onde na cidade?
-Não sei se posso confiar em você...
-O que você tem a perder?
Os olhos dos dois se encontraram. Era possível ver que ele não mentia, nem era ameaça.
-Para o porto. Preciso ir até Byalan.
-Certo, siga-me.
Os dois chegaram até o barco, onde o capitão da balsa os recepcionou.
-A passagem para Izlude custa cento e cinqüenta zenys, senhores.- Olhou para o espadachim.- Por pessoa.
-Você vem? - Disse a menina para o espadachim.
-Sim, Byalan é um lugar interessante para treinar...
-Eu pago a sua então. Como gratidão por ter me salvo.
Embarcaram os dois na balsa. A maré estava calma, e uma brisa refrescante soprava em seus rostos. Ela olhou para o menino.
-Qual o seu nome?
-Eu... não tenho nome. Me chamam de Iron Knuckle, pelo tamanho...
-Certo, Iron. O meu é Sarah Hopkins.
Chegaram em Byalan em menos de vinte minutos. Sarah falou com a Kafra, entregou a encomenda, a carta, e recebeu uma nota fiscal.
-Preciso voltar à Alberta agora. Obrigada pela ajuda.
-Nada...
O tom depressivo com o qual ele falava despertou uma curiosidade estranha na menina. Um menino sem nome, de proporções gigantescas, abandonado no mundo. Prometeu a si mesma voltar a Byalan assim que possível, a fim de procurá-lo. Pegou uma asa de borboleta e voltou a Alberta. Entrou novamente na guilda dos mercadores.
-Aqui está o recibo.
-Deixe-me checar... tudo certo! Parabéns, Sarah, agora você tem permissão para circular o mundo como mercadora. Boa sorte em sua jornada.
Sarah pegou o uniforme de mercadora e saiu rapidamente da guilda, decidida a encontrar aquele curioso espadachim que a ajudara.


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Fanfic de Ragnarök Online, feita há muito tempo. Primeiro capítulo. Como não tenho texto melhor pra postar e não quero abandonar esse blog, botei ela logo. Se puderem, avaliem, talvez isso me faça completá-la.

Até!

Acontece sempre.

Minha própria borboleta bate asas, faz os modos de uma águia, devora vermes como um falcão. Minha própria borboleta me encanta, me embaraça, me toma a taça e derrama seu sangue. Minha própria borboleta bate asas, faz as pazes para começar os embates, os empates, os contrastes.

Enquanto as pequenas rajadas de vento circulam, o furacão absorve, comove, amedronta. Não há equilíbrio de John Nash, nenhuma conta matemática exata. Paira o caos, o contraste, o barroco, sem sobrar qualquer toco. O pouco que peço é que as borboletas da minha vida não sejam vistas como avatares delicados, mas sim como prelúdios inusitados.


Pedro Z, 04/10/2007.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Palavras Acerbas

Da perfídia és filha
Enigmática e sombria
És vazia, pálida Maria
És um mito, recontado por mero escrito

Dona beneplácita, doravante ficarás sabendo
Nego toda razão a ti atribuída
Não há porque aprofundar-se
Na sua história rasa, malcontada

És mesmo uma velha fenecida
Derramo lágrimas de deleite
Pois creio que ao expô-la ao ridículo
Escarneço também toda sua estirpe

Depósitos de lixo abruptos e bestializados
Servem só pra ocupar espaço
Vez por outra, alguém vislumbra
Algo estranho por detrás da penumbra...

Ritual Funeral

Austeras palavras decoram esta arenga
Uma vez entoada à guisa de ode fúnebre
Celebrando as exéquias, a rotura destas penúrias
Veredas obscuras por onde andava enredado.

Carrego esta vestidura que me leva ao cadafalso
Simboliza parte mundana que reservar-se-á

ao oblívio.

Suave mortalha que, aceita de boa vontade
Separadas são, as duas metades.

Hostil cerimônia cingida em penitências
Abstenções pontuadas por reveses
Decisões profundas apoiadas em desprezo
Culminam na Extrema Unção.

Morro, conquanto prezo
Sem desdém
A metade desta agora destinada ao limbo.
Na que me resta, espero apenas
Certeza de fruição.

terça-feira, outubro 02, 2007

Não aconteceu.

Dureza maior do que a dor é o que não é dito. Voltei da faculdade hoje, poderia ter voltado de qualquer lugar que a sensação é a mesma, maldito. Uma frase me escapa, uma farpa de algo que não houve. Há minutos e minutos. Muitas conclusões. No entanto o processo escoa, escapa, espelha e espera. Muitas coisas que poucas pessoas usam.

Em verdade, não existe a "não-palavra", existe significados que não são explicitados. Para esses, a vida nos reserva conforto e magia em seu mistério ou confusão e revolta por sua omissão.


Pedro Z, 02/10/2007.

Revisitando o Universo

Em homenagem ao meu amigo William Gnann.
Por um simples trocadilho com a palavra me fez voltar nesse assunto.

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Os olhos traiçoeiros dormem, dobrem
A vigilância, recobrem a tolerância,
Olhos traiçoeiros não podem ter ganância.

Olhos traiçoeiros despertam
Lamentos, inconformados
Andam os homens, desinformados
Seguem seus sistemas.

Planetas revelam arenas
De batalhas sem temas,
De propósitos sem lemas,
Planetas revelam armas
Sem qualquer dilema.

Não há tempo pra pensar,
Não há luz para imaginar.

Unir verso é desunir o avesso,
Aceite os olhares traiçoeiros,
Universo é aversão ao único texto,
Aceite os olhares traiçoeiros,
Verso unificado não é solitário,
É arbitrário, é dúbio,
Sempre causa dúvida.

O tecido, a malha, envolve o relógio,
Meu horário não espera refúgio,
Unir avesso, unir desalinhados,
Meu cosmo vibra uma luz sem alvos.

O cosmo vibra uma luz sem laços,
Ficam soltos os abraços amargos
Que não recebo, fica a idéia que não concebo.

O cosmo vibra uma união de versos,
Versículos de uma oração sem pontos,
Desatadas estão nossas estrelas,
Me perdi em minhas próprias
Maneiras.

Unir verso.
Universo.
Unir inversos.
Universos.
Unir invernos.
Unir infernos.
Universo.

O cosmo vibra a união
Da desunião com o embrião.

O cosmo vibra desilusão
Da interpretação sem visão.

Vermelho

Eu respiro forte e caricaturalmente, ainda assim o ar parece não entrar. Na lembrança tenho o vidro quebrado do perfume, o cheiro que me ficou à náusea, tudo entrecortado, justaposto, como num filme de baixo orçamento e grande pretensão. Ela não estava lá, de novo na rua quando cheguei, me perguntando com a resposta pronta se ela viria me receber. A água do chuveiro me molha o corpo, gradativamente me afunda nas lembranças daquele dia. Chovia. Madalena costumava me olhar fundo nos olhos de embriaguez, e eu passei a chamar aquilo de ‘o meu fim-do-mundo’. Mais tarde, ela veio morar comigo, entrou no meu apartamento e na minha vida do mesmo jeito, como se sempre estivera lá, tão óbvia e natural, Madalena era o abajur da sala, iluminava sutilmente meu mundo. Subia minhas calças pelas manhãs, se mostrava aguardente melíflua nessas horas, nos antes e depois. Toda noite saía, enquanto eu me afundava nas páginas de mil romances-naufrágios, para trabalhar em um bar, atendendo bêbados, casais, grupos. Mas ela se estendia, acabando em outro bar mais decrépito, Bêbada, talvez por vingança, pra se ver como a servida, trocar de papel. Ela tinha disso, era dualista. Já eu, era múltiplo, e éramos um só. Nos confundíamos de tal maneira que cheguei a querer engoli-la, me enfiar todo nela, vê-la por dentro, dissecá-la. Pedi-lhe, insisti, supliquei-lhe; eu precisava daquilo pra escrever, finalmente o romance estava deslanchando, mas os arranhões, as mordidas não eram mais motor suficiente. Madalena cedeu, de início excitada, depois estranhou, resignou-se, entristeceu. Cada jorro de líquido vermelho dos ombros, das coxas dela era um tesão frenético em mim. Naqueles dias escrevi como um insano, tinha a impressão de ver a tinta no papel vermelha. Não. Serei honesto; cheguei a vê-la, sim, rubra. Eu escrevia o sangue de Madalena, suas veias, seus intestinos. Ela, mais marcada, tremia ao voltar, quando voltava. Em mim, então, na centésima oitava página, veio o desespero, uma ânsia de uma certeza terrível subiu à garganta. Vomitei. Parei de escrever, desesperado. Por que cada letra para viver no papel tinha de sugar a vida da mulher que eu amava? Tornei-me sombrio, pálido, quase-morto, jogando-me exaustivamente ao trabalho naquele escritoriozinho de merda, ao qual nunca antes dedicara esforço. Esforço sem ganas, porém; apenas maquinal. Não amava mais, mal comia, dormitava sem sonhos, acordava sem mordidas em Madalena. Ela se desesperou, parou de beber, voltava em ponto para casa, implorou para que eu fosse como antes, para isso se cortava!, se cortou nas coxas, fez sangue verter pelo tapete. Berrou, louca. Foi o dia: ela quebrou o frasco do perfume histérico, o som da quebra e dos gritos, dizendo eu-te-amos enraivecidos, pedindo dó e se enfiando na carne um caco adocicado. Bebo na água do chuveiro o amargo do amor de Madalena. Peguei-lhe os pulsos, sacudi-a, incendiado de medo. Não poderia pedir a ela, contar tudo! A verdade da humanidade na minha mão: Contei-lhe. Ficou mais pálida, mais, era gesso, cal, a morenice esvaiu-se da pele, o tapete era vermelho e moreno sob seus pés. Súbito, vi um lampejo nela, pareceu-me descobrir o sentido da vida, o fim absoluto, um fim-do-mundo que já não era o meu. Entendemo-nos no silêncio; nunca a vira tão mulher. Pegou a faca afiada na cozinha, beijou minha boca e disse, Faz. Das três punhaladas saíram nascentes infinitas, toda a vida Madalena me havia dado para perpetuar nas palavras. Deu por si, senti-a dizê-lo no último som. Seus olhos abertos, fitando a janela, não tive coragem, ou tempo, para fechar. No mesmo dia terminei o último capítulo, sentindo até o último ponto final que a caneta era sua veia pulsante.