quinta-feira, outubro 25, 2007

Está Tudo Bem

Esta roupa, este ar, este tempo já não cabem em mim. Talvez tenha engordado, as narinas tenham se fechado, ou foi o tempo que passou. Ou uma angústia daquelas, da meia-idade, tenha finalmente aparecido pra me instigar arrependimentos, a pensar ‘se...’, ‘se não...’. É o típico momento de recapitulação, que acaba uma capitulação pela impossibilidade de voltar. Cada mulher, poucas, relembro, despedaçadas; a boca e os seios de Luciana, a cicatriz nas costas de Bruna, as pernas loucas de Letícia, o cérebro e o gosto de Julia, de quem ficou a amizade. Só não recorto Madalena, essa vejo toda, porque todo tempo a vejo. Aqui e ali, no quarto, levando o Murilinho pra escola, me beijando em selo a boca antes de saírmos e nos separarmos; depois, à noite, no reencontro. Vamos nos acostumando e criando rotinas com as pessoas, como foi conosco. Hoje eu não poderia olhá-la e gritar, gritar e abraçá-la bem forte como às vezes penso em fazer. São códigos. Fazemos, enfim, passam; está tudo bem, fizemos. Mas agora o desejo de quebrá-los todos me vem mais e mais forte. Chego a imaginar com ardor uma frase absurda em cima da cama, de pé, dita a ela num assomo de lucidez. Não poderia dizer depois: Amor, desculpa, foi loucura – tinha de ser a sério, como a vontade se me anuncia. De sopetão, quebrar a hora, o bom-dia. A cara de Madalena estampada no rosto , aquela de mulher que faz acontecer. Quantas vezes não penso em dizer, Puta!, Maldita!, Piranha!, aos berros, sacudi-la e ver o que sucede. Dizer palavras insensatas, impuras, e mordê-la na boca como nos inícios dos nossos namoros no banco de trás do carro. Mas é ela ali, a mulher que pariu, que escolheu o carpete e minhas camisas; que fez o jantar e se lavou depois do sexo; que me fez sentir dispensável, mas não completamente; que cuidou da casa, dos filhos, do trabalho e continuava se desvelando por nós, pela família! Família esta que era e é minha nova identidade. Como eu, em um egoísmo absurdo, poderia quebrar esse elo todo estável, de palavras e ações em rede, interdependentes e dosadas de certas emoções certas? Quando ela chegou ao quarto, eu deitado na cama com os olhos hipnotizados na imitação de um Dalí na parede:
-Oi, amor. – me beijou – Que foi? Tudo bem?
-Nada não. Tá tudo bem.

4 comentários:

Pedro Zambarda disse...

Confissões de um marido perplexo de satisfação ou curioso sobre a esposa?

Beijos!

Carolina Mendes disse...

Mmm, que tal a formação dos tiques nervosos dos relacionamentos?

:)

Rebucci de Melo disse...

Achei bem bacana o texto...

Adorei o tema, qualquer um q ja teve um relacionamento longo, se identifica um pouco com isso...

Achei, porém, q alguns recursos de estilo ficaram esquistos, como o uso de virgulas no meio de algumas reflexões. Talvez fosse algo a ser revisto, sei lá...

Abração

Carolina Mendes disse...

Rebucci, que bom que você reparou! O texto é todo quebrado sim, dá até agonia, mas fiz pra ficar assim mesmo, como se a personagem fosse vomitando em blocos as coisas. Não gostou? Mmm, mas todo texto pode ser revisto, até mesmo na desconstrução; farei isso.
E obrigada!
Beijo!