domingo, março 16, 2008

Olhares atentos para o mundo que transborda de si

No livro que mandou a mim, o poeta e cronista Rubens da Cunha agradeceu minhas leituras sempre atentas para seus olhares sobre o mundo. Olhares tão bem registrados pelas palavras. Retratos da consciência, que em seus escritos Rubens demonstra ter, de ser um sujeito imerso numa realidade mundano-social aprisionadora do próprio ser humano, da qual tenta ao máximo extrair algo que o alimente, que se junte aos alimentos diários da leitura e da escrita, ou que sirva de alimento para um desses dois “vícios” que apresenta ter. O escritor de Aço e Nada, livro recém lançado pela Design Editora, é um sujeito dividido em diversos modos de ser/pensar/agir, presentes em diferentes crônicas-quase-contos do livro, que se complementam num só.
Após dois livros de poesia publicados, Campo Avesso (2001, Letra d´água) e Casa de paragens (2006, Editora da UFSC), o escritor de Joinville (SC) divulgou sua produção em outro gênero literário, o da crônica, e lançou um livro com algumas das que escreveu entre fevereiro de 2004 e março de 2007 para o caderno Anexo, do jornal A Notícia, onde publica todas as quartas-feiras.
Para mim, e creio que para muitos outros leitores, são releituras a se fazer das crônicas presentes no livro. Ora mais densas, ora mais suaves, ora críticas ora não, ora mais poéticas ora mais objetivas em determinados assuntos, ora também quase-contos, transbordando sensibilidade e poesia, as crônicas foram separadas no livro em quatro diferentes partes, com as últimas crônicas de cada parte dando nome à mesma correspondente: Os animais dentro, Olho vigiador, O corpo da gratidão, O morador das palavras, que bem estariam encaixadas se não houvesse divisão, uma vez que a escrita em si do autor apresenta um traço muito bem caracterizado, sendo possível reconhecê-la à distância, encontrá-la, por exemplo, nos poemas-aço que formam sua Casa de paragens: nos cômodos da sua casa-corpo, nos mínimos detalhes da natureza, e nos animais-moradores-de-seu-corpo: na dor corpórea da alma; na fragilidade de ser humano.
Um olhar sempre constante nas crônicas do livro (e também nos poemas do Casa) dirige-se aos animais. Estão eles dentro do escritor Rubens, ao redor, nos olhares, nos sonhos, na memória. As crônicas de Os animais dentro trazem um pouco dessa relação, assim como duas outras crônicas, localizadas em outros compartimentos do livro, como a crônica “Antologia”, presente junto às crônicas de O morador de palavras, na qual Rubens afirma serem os animais “poemas de Deus”, e os compara brilhantemente a diferentes formas de poemas: a borboleta é o hai-kai, “mínimo e preciso”; o cavalo é o soneto, “a elegância poética”; o tigre, poema perfeito, sendo “Um tigre preso num zoológico, ou circo qualquer, o poema de arrependimento de Deus por ter escrito o homem”.
Também, a crônica “Os observadores”, localizada junto às crônicas em O corpo da gratidão, em que o cronista afirma falar muito dos animais em seus textos: “são imagens recorrentes, já que ainda não descobri elementos mais poético na natureza e mais propício às buscas metafóricas que pratico”.
Ainda, nas crônicas de Os animais dentro pode-se encantar com outros modos de ser animal, com o ser humano e suas formas de pensar, sentir e agir. O encantamento que se tem com Miguel, o menino que fugiu com o vento; com a solidão, abandonada em um sapato qualquer estirado sobre o asfalto; com o retrato descrito do Rubens que se era e do Rubens que se é, pouco diferente por fora, corroído pelo tempo-humano por dentro, um homem do seu tempo, mas carregando uma alma ancestral ao caos moderno; com a mulher que se salga por dentro para se libertar e com a que goza ao cheirar as pedras que separam as praias de Itaguaçu e Ubatuba; com a mulher-fortaleza derrubada pela paixão; com o menino envolvido em seu universo, “um barranco cheio de buracos mais argila”; com o cão no ponto de ônibus, perturbando a rotina do homem; e com Dona Ernestina, a poeta que “não cresceu e por isso ficou maior que tudo”, a poeta que sopra hai-kai como “por entre as nuvens, o sol caiu no lago, saiu molhado”
Nas crônicas de Olho vigiador, Rubens da Cunha apresenta seus olhares “adestrados na busca de pequenos absurdos humanos”. Olhares atentos para os habitantes e para a sua, até o momento, casa de paragem, cidade na qual nasceu e em que vive. Os chapas, “fantasmas diurnos”, uma vendedora de cocadas, com “a fome atravessada nos olhos”, o malabarista, que “finge o tropeço, finge o riso, finge o agradecimento”, o jovem que “quer trocar 1 Real por duas canetas”, os “indiferentes na indiferença urbana”: “Há neles agonias impossíveis às palavras”.
Pela cidade também que o Rubens cronista busca o assunto para suas crônicas semanais. Nas manhãs de domingo, em que “tudo que é normal dorme, tudo que é banal está fechado”, nas pessoas por quem passa, nas vozes e meias-conversas que ouve, ficando sempre “um pouco mais repleto de fascínio que a cidade lhe oferece. Seja nas imagens, seja na fala anônima de sua gente. (...) que revelam instantes vastos de poesia, ainda o melhor antídoto contra a cegueira medíocre que nos atinge a vida continuamente”.
O corpo da gratidão qual será? Um lobo em dia de caça, o domingo de visita dos netos, o sorriso, os transplantes, um rio despoluído? A gratidão é a mãe, é a noite, é um poço de contrários, “é uma inutilidade feita apenas para agüentar o peso do mundo: um poema perdido entre os cadernos; flores nas beirais das casas; fotografias”.
As crônicas que formam esse corpo da gratidão revelam ainda mais disso que ela é para o cronista. A natureza, recoberta de poesia, que, “sem avisar, põe sobre a cidade um lençol branco”; o vento, “Espada solar”, aquele que “veste de umidade a carne urbana”, que “Nas madrugadas volta, amante sorrateiro”, e então é possível ouvir as palmeiras gozando novamente; os eclipses e arco-íris, “choques de loucura, (...) retornos, lembranças que acontecem para nos animalizar de novo”; o olhar atento do pai para o filho recém-nascido, ainda frágil para a ação do verbo viver; a revolução da delicadeza, mesmo sendo “bem mais fácil matar alguém toda manhã do que descrescer”.
A gratidão também moldada pelo fluxo inexorável da vida cotidiana passando por cima do tempo e do espaço, de amizades antes fortalecidas; pelas “pequenas desafinações no ritmo monótono da vida”, os inusitados presentes no dia-a-dia, como um beija-flor entrando numa sala por engano, um poema anônimo dentro de um livro, um pensar em alguém e esbarrar com esse alguém na próxima esquina; pela conjunção “se”, “Palavra-abismo”, reveladora da eterna condição de metade do ser humano; pelo tempo (cabeça-passado, tronco-presente e membros-futuro); pelo sentir que animaliza o humano; pela contradição, a “máquina raio-x da vida, que diz aquilo que somos, que nos humaniza pela fragilidade”.
As últimas crônicas do livro, morando no capítulo O morador de palavras, são as que melhor retratam a relação do poeta e cronista Rubens da Cunha com aquela que é sua ferramenta de trabalho, senão diária, quase que isso: a palavra, e as ramificações que ela faz existir: a língua, a leitura, a escrita.
Presentes nas últimas crônicas encontram-se reflexões sobre a língua portuguesa, a qual, segundo Rubens, é no erro que se torna poesia: “puta de esquina, freira de claustro, mulher amarga e doce, barroca lavadeira esfregando-se mundo afora”; sobre a poesia, para o autor tão parecida com o bambu, este também “pouso de pássaros, criadouro de sombras, paragem do vento”, a poesia também mãe deste filho poeta e cronista, que mais do que tudo deseja ardentemente sempre “Sentar naquele sofá-estrofe no canto da página. Beber um verso-café feito na hora e nada ouvir além da chuva teimosa compondo um outono frágil”; sobre o analfabetismo que carrega dentro de si, o musical, restando a ele apenas metaforizar músicas e instrumentos, sendo Beethoven, por exemplo, um rio de águas negras, e uma orquestra sinfônica uma tempestade às seis horas da manhã; e sobre a leitura, esta abortada pela velocidade cotidiana, e o ato de ler, a ação de “vencer o medo de afogar-se e nadar onde não encostamos os pés no chão. (...) Ler é doar-se em solidariedade consigo mesmo. Ler é difícil”.
Nas últimas crônicas também é apresentado ao leitor o Rubens da Cunha escritor. O morador da palavra exílio (ou seria apenas mais um dos personagens marcantes no livro?). O escritor por prazer, por sentir o sangue correr em seus abismos, pela águia, fazedora de poemas, quando voa, melhores que os seus. Escritor “para que a alma retorne ao corpo”. Pela dor: “O papel me dá seus ouvidos e demais buracos gratuitamente. O papel é uma prostituta apaixonada. Escrevo para gozar e porque tenho bom vocabulário”. Pelo poder de ser escritor, pelas máscaras que colocam sob os escritores. “Por aquilo que não explico quando olham para meu texto e dizem que eu escrevo difícil. Escrevo porque é fácil ser difícil. A simplicidade é para os gênios. Eu não sou gênio. Sou mais um cego teimoso”. Escritor por maldade, por instinto, por covardia, por alegria, “por estar preso nesse cárcere e porque aprendi a mentir desde cedo”.
Bom se existissem mais mentirosos assim.
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Resenha publicada na edição de março da revista virtual de literatura e arte, GerminaLiteratura.

Í.ta**

quinta-feira, março 13, 2008

A se dizer

Não há nada a se dizer no momento
Nada a proferir a auto-contento
Só resta apenas o vazio silêncio.

Silêncio duma mente que não pensa
Mente que à vida é inreativa
Alma que vagueia ao mundo passiva.

Mente entrecortada por pensamentos
Corpo paralizado na indolência
Mente que com o corpo é ausência
Corpo que à mente é aborrecimento.

Substantiva e substancial
Matéria que com a mente constitui
A essência que em alma se dilui
Com'átomos em vazio espacial
Mente e corpo nada são afinal...

sábado, março 01, 2008

É pau, é pedra, é começo...

Dizia Tom, sem nenhum tom,
O Jobim no piano, no soprano
Que dedilhava no violão,
Que eram águas de março
Fechando o verão,
A promessa de vida
No teu coração,
A música, a melodia,
A cantiga da minha
Solidão.

Era pau, era pedra, era começo
Do toco queimado, do pescoço
Degolado.

É pau, é pedra, é Elis cantando
MPB, é rapaz sambando
A cultura brasileira, a conversinha mineira,
Os miseráveis nordestinos, o papagaio altivo.

É pau, é releitura da pedra
Da cultura brasileira, que agride
A selva interna, a relva que espera
A onça estrangeira.

As águas na estação
Sujas pela poluição,
É a promessa política
Do Brasil sem perdão.

Obrigado Tom Jobim pela composição que inspirou essa poesia, totalmente.
Essa é a realidade bizarra que vivemos (...).

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

pré-carta de amor engasgada

Sempre que desligo o telefone, me vem a melancolia, aquela que me estampa na cabeça que você não está aqui e me faz inventar diálogos e declarações de amor que eu deveria ter dito mas não disse e nunca digo.
Só, vou fumar na janela, sugando a fumaça como se sua língua, confundindo a vertigem do fumo com a que você me traz. Depois passo a boca pelo meu braço direito, quase na altura do ombro, até acabar mordendo-o, de fúria de ser só braço.
Por que não digo e me acabo na invençao?
Talvez o medo da realidade, perdível, me faça inventar um você indelével.
Desculpe, eu não sei ser romântica a não ser pra mim. Certas palavras não existem para ser ditas. Guardo-as, com medo de quebrar essa regra autoimposta. Certas palavras são como nossas duas pernas juntas: sem anúncios, sem saber como, existem na sensação, debaixo de um lençol.

domingo, fevereiro 24, 2008

Procura-se um Coração


Estou em busca.
Meu coração dourado, onde o perdi?
está camuflado entre vincos na testa,
ou como lêndea grudada num fio de cabelo branco?
(que insistem em aparecer aqui e ali)

Desde aquela meia-noite,
foi-se, para não voltar mais
foi-se, distanciando dos propósitos mesquinhos
que entupiam seus áureos ventrículos
e átrios.

a preciosidade que pulsava sob o crepúsculo
deixei largada no jardim, em meio aos brinquedos
que minha mãe pediu para eu guardar
antes do anoitecer (e que até então esqueci)

vejo o tempo passar
e tudo o que deixo acontecer
é o silêncio ecoar nesta pedra
engastada em meu peito

(mãe, já vou guardar os brinquedos)

sábado, fevereiro 23, 2008

Pedaço d'um conto

A moça bonita, dona dotada, foi logo exclamar sua indignação perante à rudeza do funcionário supra-humano, dirigindo-se ao porteiro-mor. Procurou. “Vire à direita, no final do corredor.”

Uma porta imensa!... linda!... Feita da mais ébana madeira, quase-nuncamente tocada por nada; adornos na forma de anjinhos, asas par-a-par, se rindo e caçando...

... E era alta, mais-que-alta; também pesada, pensou ela. Observou mais um tempo, hipnotizada, esquecida... D’onde saiu tal impedimento?... quando um anjo, este magro, quatrolhos, desimponente, empurrou-a, abrindo a porta.

---o---


Era um parágrafo, viraram três, achei melhor. Esse conto estou escrevendo há um tempo, bem tempinho mesmo. Tenho idéias: é uma moça que deixou de entrar no céu por não possuir senha e fez um fuzuê para conseguir entrar. O resto, que eu acho ser parte-boa, deixo para após o término.


O que acham? Alguma idéia?

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Professor: leitor ou não-leitor

Ana Maria Machado, em artigo presente no livro Balaio: livros e leituras (2007), apresenta a importância fundamental da leitura na formação do professor, destacando o agravante de que há um medo por parte do professor de entrar em contato com os livros, “Um objeto estranho e com tal carga simbólica que o ameaça”, conseqüência de sua má-formação, cada vez mais longe da leitura livresca.
Esta afirmativa abre caminho para uma reflexão sobre o professor enquanto um sujeito-leitor, ou não-leitor.
Relevando o contato diário com diferentes materiais de leitura (livros didáticos, trabalhos dos alunos, comunicados escolares), pode-se classificar o professor como um leitor. No entanto, se o professor não sentir a leitura como uma necessidade para si – e não só como uma exigência burocrático-profissional – ele não passará de um leitor-por-obrigação, e pouco conseguirá contribuir para a formação de novos sujeitos-leitores. Logo, a caracterização do professor como leitor ou não-leitor está relacionada à significância que o próprio professor concerne às atividades que realiza como docente.
Segundo Batista (1998), antes de simplesmente inquirir ao professor um julgamento de leitura, há necessidade de descrevê-lo e compreendê-lo em suas práticas, analisando em que situações ele se forma como um sujeito-leitor. O mesmo defendido por Brito (1998), que traz a impossibilidade de se afirmar que o professor é um leitor, muito menos, pela sua atividade intelectual, que ele é um não-leitor. Segundo ele, “mais que ser leitor ou não-leitor, o professor é um leitor interditado”.
É também importante ressaltar as questões que envolvem as condições de acesso e de produção de leitura dos professores. A formação de um sujeito leitor é tão determinada pelas condições sociais nas quais ele se encontra, quanto pela própria tomada de iniciativa do mesmo em prol de tal formação. Daí sendo muito relevante analisar o que é que o professor lê, quantos livros ele tem condições de adquirir para seu aperfeiçoamento pessoal e profissional, e que tempo sobra para que ele busque a leitura de textos variados.Vale ressaltar ainda que a definição de um professor leitor ou não-leitor passa, primeiramente, por outra definição: o que é ler ou não-ler? E, levando em conta que o ato de ler engloba diversas outras práticas e modos além de somente a leitura livresca (caracterização burguesa do que é ler), o professor, é, sim, um sujeito-leitor. A variedade aqui está no como o professor lê, ou seja, que sentido ele dá/constrói à própria prática da leitura.

artigo publicado no jornal ANotícia de 21-02-08 (circulação estadual), p. 3 (http://www.an.com.br/2008/fev/21/0opi.jsp)

Í.ta**

terça-feira, fevereiro 19, 2008

Tédio

A vida é composta de um pseudo-equilíbrio dentre destruição e criação: às vezes estamos sob efeito d'um, às vezes do outra. O problema vem quando ficamos tempo demais sendo vitimados por apenas uma delas... resulta no nojo e na desaprovação; no gosto amargo da mesmisse.

Torture sua mente já! evitando usá-la. Esqueça seus livros embaixo da cama, mostrados às traças e baratas; designe sua criatividade ao nada e, quando estiver desesperado por viver, sua raison d'etre será tentar recuperar o que jogou fora, que nunca voltará completamente, pois foi uma oportunidade; uma velha e gasta oportunidade.

--o--

O Monólogo de uma Sombra
DeviantART

Coleção Folha Grandes Escritores Brasileiros

A nova coleção da Folha, pelo que li a respeito no jornal e no respectivo site, começará no próximo final de semana, continuando por mais dezenove. Trará 20 livros, dois na primeira entrega e um semanalmente após; há outros pacotes, comprá-los avulsos, ou at once, mas não embrenharei por este caminho.

São bons livros, bons nomes e, excetuando-se Machado de Assis, não tenho nenhum dos livros selecionados. Atenção para Manuel Bandeira, Drummond, João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, Machado e Cecília Meireles, que são os que conheço melhor.

A página oficial é esta, e não tenho outra missão com este post além de informá-los; e, antes que perguntem, não larguei a labuta da escrita, estou me dedicando mais à leitura, apenas.

--o--

Tentativa: Akira I

_____A noite caía. No subúrbio de Londres, aquela boate em breve encher-se-ia de pecados. Todas as noites, seu néon vermelho atraía os mais devassos perfis humanos. Porém, antes que o estabelecimento abrisse, o quarto 205 já testemunhava seus momentos de depravação.
_____Sobre a cama circular, posta debaixo de um enorme espelho e ricamente rendada, via-se uma mulher. Deitada, ainda gemia. Espalhados pelo quarto, partes de uma lingerie preta e vermelha, sugerindo o modo como ela estaria vestida há algum tempo. Seus cabelos ligeiramente ruivos ondulavam delicadamente.
_____Contrastando com a sensualidade diabólica da figura feminina, um homem sentava-se ao seu lado. Seu rosto era um tanto infantil - seria erro chamá-lo de homem? Não trajava roupas, mas a calça militar estirada adiante da cama - atirada por alguma mão excitada - seguramente lhe pertencia, tal qual o coturno negro jogado displicentemente ao seu lado.
_____Desafiador, observava os resultados de suas habilidades e truques nas expressões da mulher. Seu semblante era se satisfação. Desviou momentaneamente o olhar para o lado de seu travesseiro: lá havia um maço de cigarros. Pegou um e acendeu. A mulher levantou-se, ainda imersa em êxtase, e beijou-o. Após aceitar o afago, mudou de idéia e virou o rosto.
_____-Acabou, Sharon. Vá embora.
_____Grosseiro e insensível. Era assim que ele gostava de ser visto. Capricho? Talvez. O fato é que não pretendia envolver seu coração com sentimentos como o amor. Nada sentia por aquela pessoa com a qual compartilhava a noite. Nenhum frio na espinha. Respiração mais rápida por motivos meramente biológicos. A mulher não parecia abalar-se.
_____-Fala como se tivesse pago um programa comigo! Enfia nessa cabecinha oca que eu te amo!
_____-Não mesmo. Vai embora, Sharon.
_____-Me tratando como objeto... Akira, assim fico com mais vontade de não ir...
_____-Não enche.
_____Akira levantou-se e jogou fora o cigarro. Pegou a calça e vestiu-a. Ouviu um suspiro. Virou-se. Sharon deixou escapar uma lágrima. O homem viu-a deslizando por sua face. Sharon nunca chorara.
_____-Desculpe. - ela começou a chorar mais. - Sharon, não chora!
_____Estragara tudo então? Ela nunca havia chegado a tal ponto. Seria o sofrimento dela pela sua falta de tato tão grande assim? Ele não suportava ver mulher alguma chorando. Subiu novamente na cama e abraçou-a.
_____-Não chora... por favor...
_____Abraçou-a mais forte. Após segundos, ela correspondeu. Se encararam. Ela estava frágil, fraca, desamparada, mas absolutamente divina. Delicada como as pétalas de rosas brancas. Seu coração bateu mais forte. Não queria amá-la. Mas seria amor confortá-la numa só noite? Suas mãos deslizaram pela cintura dela. Passou-as por lugares proibidos. Ela parou de chorar. Entregara-se àquele amor, tão brilhante e verdadeiro em sua mente, tão obscuro e falso pelos olhos verdes de Akira.
_____A noite ainda não acabara. A rosa branca acabara de tornar-se vermelha.

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Primeiro texto depois de algum tempo sem escrever. Akira é meu personagem preferido, acho que escreverei mais coisas sobre ele... e acho que arrumei uma forma de colocar parágrafos aqui xD~

Até o/

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Acontecimento enquadrado

Falam mal do cristão porque o tesão incumbido dos homens é aplicado em um sermão que não é nada, senão um discurso diversificado, decodificado e inserido contextualmente.

Em suma, a repressão de um padre é compartilhada pelo cientista louco, pelo garoto maroto, pelo homem matemático e o jovem ajuizado, além dos drogados. Não somos nós, mas nossos tipos, esculpidos e emoldurados.

Obras fotografadas, autografadas e enquadradas.
Obras simbólicas, preconceituosas e pragmáticas.
Dorian Grey, 18/02/2008.
(Percebam que todo o texto com a palavra "acontecimento" está sendo registrado de maneiras diferentes. Quaisquer dúvidas, falem com o senhor azul)

domingo, fevereiro 17, 2008

Chesil's Favourite Poetry

Leia.

O que acham? É um site bem interessante. Pensei em criarmos um, vinculando-o ao TBW, com o intuito de: a) aumentar a leitura de poesia em português, b) facilitar o acesso à mesma, disponibilizando vários autores, c) chamar a atenção para cá, atraindo maior número de leitores.

Eu tenho um espaço considerável da minha biblioteca recheado com poesia, e sei que outros aqui também. Podemos colocar conteúdo aos poucos, dividindo tarefas, facilitando para todos. E, claro, não tem porque deixarmos de colocar autores que escrevam em francês, espanhol (Pablo Neruda!), alemão, italiano, latim (algumas Odes de Horacio merecem...) e todas as outras línguas.

O site pode falar sobre os encontros literários organizados ou não por nós, dar uma pequena "cobertura" dos ocorridos - e para isso conto com a ajuda do Pedro, o jornalista daqui. Gostaria de também deixar um local no site para enviarem-nos seus poemas e afins, sempre tem alguém que escreve e não sabe com quem falar. Mas esse último parágrafo não é necessário, a estrutura principal tem por carácter ser um banco de dados poético, como o site do Chesil.

E eu não entendo praticamente NADA de montagem de sites, layouts (tome como exemplo o 'belíssimo' layout pré-montado que uso no meu blog) e afins. Precisaria de alguém mais capacitado para isso.

Idéias, sugestões, opiniões?

sábado, fevereiro 16, 2008

Expanda-se

Treina teu poeta interior
Na intensidade que o tempo
Trás transcorridas todas
As tuas tentativas

Escreva se sabe pensar
Se sabe escutar tua voz
Se sabe suspender
O saber sem sentido

Mas toma a meditação
Uma componente de teu poema
E recomponha teu pensamento

E então escreva, concerte
Soe, desespere-se,
Versifique, poemize

domingo, fevereiro 10, 2008

Poeta, Ourives.

retifico versos
que rimam com quero-quero,
que semeiam raízes de olvido,
Que não desabrocham;
encolhem-se com a falta de esmero.

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Quinta-feira fui à livraria Cultura em meu ritual. Pego livros, vários, e me sento nas almofadas. Feito isso, começo a ler, viajar, ouvir os outros, escrever. Ouço muito. Reclamações ao celular, casais, amigos, tudo mergulhado em um mar de livros. Cálculo, auto-ajuda, maresia de aventuras.

Lia um conto de Sagarana quando uma menina sentou-se: portava um livrinho destes que fazem sons ao abrir; lia em voz alta, com dificuldade, cada frase. Formava parágrafos devagarinho. Vi e revi a pequena. Em volta, uma roda de adolescentes reclamava, as pessoas reclamavam, eu não: estava maravilhado com a garota lendo um livro com gosto, paixão.

Meu primeiro livro veio à cabeça: uma coletânea de contos infantis. Desde La Fontaine até autores desconhecidos. Muitas, muitas histórias... magia, ladrões, valores, gigantes, princesas. Li-os todos, diversas vezes. Primeira obra! Dormi tarde várias vezes graças à leitura. Adorava ler uma história duas vezes, sempre mudava um pouquinho – o mesmo efeito da poesia hoje.

Era bom: não havia mal que me atingisse. Briga com minha mãe se remediava lendo. Devo muito a este livro: sem ele, não sei como seria meu gosto pela leitura; com ele, criei interesse em adentrar a bibilioteca de meu pai e lá me instalar sempre que possível. Meu melhor presente, sem dúvida.

A menina se foi, continuei lendo Sagarana e seus contos nas almofadas da livraria, mas não sem a boa lembrança dos dias antigos na cabeça. Obrigado, menina! Obrigado, meu livro!

03/11/2007

Escrevi isso há um bom tempo. Verídico.

original

Encontro Positrônico

Às vezes, a prosa é mais interessante que o verso. Isso acontece justamente quando temos de retratar coisas de forma concisa e fidedigna.

Bem, este é um dos casos... Suponho.

Data-se de um encontro, realizado num certo dia da semana. Presenciavam o encontro alguns escritores e outros entusiastas das palavras.

Lá, o assunto não era diretamente direcionado, como algo premeditado, mas fluía mais livremente. Quiçá isso tenha feito mal a algumas pessoas que tinham como motivo principal a discussão literária, mas isso é apenas uma mera conjetura.

Rumou-se assim por duas horas, mas a terceira pessoa do autor o impede de dar maiores detalhes acerca das duas horas iniciais, já que este chegara com um 'pequeno' atraso de um sexto de relógio.

Foi muito interessante no tópico de se conhecer pessoas novas. Pessoas que já escreviam há tempos, todavia nunca se encontraram pessoalmente - convém salientar que algumas pessoas acabaram por não ir, porém são desconhecidos seus motivos e não vem ao caso do autor comentá-las.

Chegou. Cumprimentou o pessoal. Tomara nota do que já fora comentado.

Estava chovendo, a chuva impedia o chão de manter-se seco. As vidas não são tão secas assim, ou seriam?

É, não foi um encontro de literatos, até porque nem todos os eram. Foi mais um encontro de amigos... Amigos? A gravidade faz seu papel, sempre fez.

Em suma: uma colisão pósitron-elétron que liberara muita energia, esta foi convertida em forma de calor até causar queimaduras.

OBS: Texto antigo.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Inesperado

Foi na caminhada
Que sentiu a vida
Passar pelo ouvido
Na voz do destino

Virou numa escolha
Que disse o futuro
Entregue à tentativa
Do olhar mais adiante

Uma ação que ditou
Os passos do coração
Sem nenhuma razão

Foi um desejo
De todo inesperado
Mas de todo escutado

Antologia?

A Mar de Idéias Editora nasceu em 2003 e tem como objetivo levar ao máximo possível de pessoas informação e cultura. E como todos sabemos, o livro foi, é, e continuará sendo uma das mais importantes fontes de saber.

Pensando nisso, a Mar de Idéias lançou em 2006 a Antologia Poética “Novos Poetas, Novos Talentos”, seu primeiro concurso de literatura para auxiliar aos escritores, principalmente aos que não costumam ter acesso fácil a grandes editoras, que publiquem seus livros, sem que precisem gastar quantias muitas das vezes inatingíveis para a maioria da população de nosso país.

Fruto desta seletiva, o autor Pedro Jorge publicou pela Mar de Idéias Editora o livro “A vida em Poesia”, em setembro de 2007.

No mesmo ano a Mar de idéias publicou a I Antologia Internacional de Poesia “Mares Diversos, Mar de Versos”, uma coletânea que também contou com a participação de autores de Portugal e Estados Unidos.

Agora, o próximo passo segue na direção da II Antologia Nacional de Poesia “Novos Poetas, Novos Talentos”.

Muitos grandes talentos podem se perder se não tiverem a oportunidade de mostrar o que sabem, e quantos grandes artistas, escritores, cientistas e gênios podemos estar perdendo todos os dias porque não tiveram uma oportunidade de divulgar seus trabalhos? Por isso mesmo, a Mar de Idéias Editora busca juntar talentos que poderão sair do anonimato e se tornarem conhecidos, proporcionando aos leitores novas obras, e à literatura novos caminhos, novos horizontes, nova idéias.

Original.

Pretendo tentar participar, as despesas não são altas, ainda mais porque você só paga caso seja chamado. Gostaria de convidar a todos daqui para tentarem também, vamos comemorar caso pelo menos um de nós seja chamado!

Opinem.

domingo, fevereiro 03, 2008

Não precisam nos valorizar (tanto)

Sente-se.

Convido-te para uma reflexão. Nada muito profundo, talvez algo mais bobo que o normal.

O alfabeto latino ocidental tem cerca de 24 letras.

Há inúmeras combinações compartimentadas em palavras em diversas línguas.

Poderia colocar a quantidade de palavras que podem ser formadas aqui, em todos os idiomas.

Seria alguma estatística para dizer "uau". Mas não provocaria outros efeitos.

Agora, reflita.

Como o escritor pode ser exaltado por, simplesmente, digitar ou escrever o que deve ser feito?

Como se pode glorificar uma pessoa que faz algo que já está previsto nas combinações de palavras, nas combinações de expressão e no número de letras?

Há médicos heróis, que salvam vidas. Há advogados que salvam pessoas inocentes, além dos engenheiros que se esforçam pelo meio ambiente, em criações mirabolantes.

Não puxe tanto o saco do escritor, pois ele é um ser vaidoso por natureza.

Assim como todas as profissões, claro. Mas é vaidoso por fazer algo que já é previsto.

A única coisa que não se prevê nos livros e textos é uma, uma só.

O leitor.

O leitor pode fazer revoluções embalado por livros. Pode renovar a si mesmo.

Pode se questionar, pode se contradizer, pode se tornar tão vaidoso quanto seu autor predileto.

O leitor deve ser o real objetivo de um escritor. É delicioso e praticamente eterna a situação de criar um texto, mas ele é submetido em uma medida e em um código com limites.

O mundo sem fronteiras só existe em dois casos: na cabeça do leitor e no tamanho do texto.

Mas texto enorme por ser enorme é chato demais (...).

Ela*

Teresa tinha fome. Fome de fruta, de manga doce e quente que deixasse fiapo pra lamber entre os dentes e fizesse escorrer pelo queixo até o umbigo suco melado, caminhos de lesma ardendo na pele. Tinha a ânsia dos que querem muito sem ter, e andava de pernas abertas esperando. Essas espera e fome doíam. Teresa sangrando de dor espereva a fome passar.
Mas a fome não passava, a dor prosseguia, e Teresa aprendeu a colher com a mão sua fruta desejada.
Saciada sempre, ela agora tinha sempre as mãos doces e as punha na boca para deixar o fiapo nos dentes e fazer escorrer suco pelo umbigo.
Mas Teresa tinha ânsia de ter fome novamente, só que não mais podia desaprender.

*Também no blog.

Ensaio egocentrista.

Além de pai e filho,
Sou amante também.
De mim, apenas.
Preso no centro do ser(eu).

Importância tua, do que falas ou sente.
Não há.
Suas teorias
Embalam meu sono.
Sua realidade não tem valor.
Ao meu paradigma, o verdadeiro.

Preso, em cárcere amável.
Confinado, no devaneio do absorto.
Sigo, por caminho que não se vê.
Por descuido: não preciso vê-lo.
Maior interesse em uma mente perdida.

Egoísta e despreocupado.
Fingindo inspiração ou dor.
Isolo-me com gosto e desprezo.
De tudo que não é fogo ou flor.


(Poesia escritas nas brumas do sono, depois de lembrar um pouco de Artaud. Apenas para não enferrujar e para afirmar minha participação no blog.)

sábado, fevereiro 02, 2008

Ligue a luz, suba ao palco e atue

Novo blog meu, pessoal.

Aqui

Nem preciso fazer exibições. Entrem e tirem suas conclusões.

"Non, je ne regrette rien" - O Presente Absurdo e o Passado Surdo ou Os Relacionamentos

"Non!
Rien de rien...
Non !
Je ne regrette rien
Ni le bien
Qu’on m’a fait,
Ni le mal,
Tout ça m’est bien égal !
Non!
Rien de rien...
Non !

Car ma vie,
Car mes joies,
Aujourd’hui,
Ça commence avec toi !"

Non, je ne regrette rien, música de Édith Piaf.


Não, não me arrependo de nada,
Nem do epígrafe da poesia, nem da asa
Descoordenada dos meus sonhos,
Do meu pé amargo na terra movediça,
Nas minhas palavras que cortam a caça.

Não, não me arrependo de nada,
E, mesmo quando tenho ressentimento,
Algum tipo de arrependimento,
Faço para não ser fracassado,
Faço para não orgulhar os outros,
Faço para orgulhar meu rosto, meus atos.

Não, não me arrependo de nada,
Nem da falta de diálogo, nem do texto
Mal-entendido, sempre há um amanhã
Com esperanças, que vai além da vã
Crença no destino, no otimismo doente.

Não me arrependo de te ver, sentir você,
Sentir o doce correndo nos fluídos diversos,
Não me arrependo de ver o que pude, ajude
À si mesmo em seus lamentos, ressentimentos,
Relacionamentos não são termináveis, nem maleáveis,
Mas transformados, o tempo todo, todo mudado.

Caeirismo

Somos um grupo de escritores,
Que interpretam, relê o que se trabalha,
Deixa o papel entulhado para roedores
Decompositores, compositores de obras
Mortas, mortalha artística.

Somos um grupo de escritores,
Rastreadores de assuntos,
Criadores de ligamentos
De significados, dos personagens
Que devoram nossos miolos,
Que impedem as passagens.

Queremos achar significados
Em nós, em sua declaração e voz,
Queremos dar sentidos
Aos mares descomedidos,
Às tempestades terminais,
Aos contatos viscerais.

Somos o que não somos,
Buscamos o ser onde não há ter,
Será e terá conseguido um querer?
Nós, vós, eles?

Nossa geração não acabou,
Somos filhos bastardos do que se renovou,
Sem revoluções ou constituições,
Temos um linguajar incomum das continuações,
Um começo numa história indeterminada,
Inerente, totalmente inseparada.

Nossa geração não vive de pseudônimos,
Ou personagens fixos, heróis sem prefixos,
Temos personagens de várias linhagens,
De várias origens, de um fim em vertigem.

Alberto Caeiro ficaria um pouco feliz
Com a natureza humana que aqui se diz,
Que meus companheiros, meus parceiros,
Insistem em chegar, sem hesitar.

Alberto Caeiro ficaria um pouco feliz
Pelas poucas vozes, pelas mudanças menos ferozes,
Ficaria impressionado com nossa capacidade lenta, nossa
Vida por triz, nossa melodia de atriz.

Estamos próximos da verdade,
O que não quer dizer vaidade,
Tampouco sensibilidade.

Estamos próximos da verdade,
E da diversidade.

Ficamos absortos. Somos um aborto.

--

Inspirado em conversas com Sir Varios (William Gnann).

quinta-feira, janeiro 31, 2008

Amor... Vazio?

Amor, vazio amor
De vasos e laços frios
Amor pungente e vazio
Cuja melhor rima é a dor

Amor, estranho amor
Que mais fere do que deixa aferir
A quimera dantesca que nos faz imergir
Pitoresca essência do sincero terror

Amor, carbônico amor
Fruto apenas de uma bioquímica cerebral
Como pode algo tão pequeno fazer-nos tão mal?
Como esses bárbaros versos de texto sem cor...

Palavras Vazias

As palavras dizem-se vazias
Quando o branco do papel
Se torna algo mais belo
Que qualquer idéia

A vontade transcende
O poder de escrever
O quanto és linda
Aos meus olhos

E essas palavras a mancharem
Algo mais belo que escrevo
Contrastam com minha vontade

De dizer que te amo
Num mundo de papel
E tintas vazias

terça-feira, janeiro 29, 2008

Etilismos

Vejo o homem cambaleando,
ridiculamente sublime,
sem consciência do que faz,
sem sofrimento pelo que é.

Eu também cambaleio
pendendo para o lado,
cambaio para o esquecimento,
sentindo o mundo como ele é
ou talvez como poderia ter sido,
quiçá como gostaria que fosse.

Imerso nos sentidos e sensações
sequer ouso pensar em algo,
receoso de afugentar essa alegria
etílica e artificial, é verdade,
mas muito mais espontânea que
essa carapaça de sombra e sarcasmo.

Evito pensar na vida, pensar em algo,
pois a felicidade é a aptidão natural
de quem não pensa nem se preocupa.
Tento guardar meu rebanho de idéias negras
minha floresta de de sonhos inconjuntos.
Fracasso. E escrevo esse poema.

início

Antes de postar meu primeiro texto aqui neste blog, faço uma rápida apresentação.
Meu nome é Ítalo Puccini, sou acadêmico do curso de Letras Licenciatura da Univille (Joinville-SC) e professor de Literatura para as séries finais do Ensino Fundamental.
Tenho um outro blog, no qual rabisco algumas coisas e apresento outros textos e frases que me tocam.
Meus escritos por aqui serão umas croniquetas (ou quase isso). Também um artigos de opinião e umas tentativas de ensaios serão possíveis. Nada profissional. Tudo experimentação, como acredito que seja a proposta deste blog.
Segue o primeiro post.
______________________________________________________________
Estante - organização livresca
Mexer em livros, para mim, é mergulhar dentro do que sou e de como me construo, e por lá me perder.
Quando vou a sebus e/ou livrarias, empilho em minhas duas mãos tudo o que considero interessante levar para casa, seja para uma leitura imediata, seja para uma leitura futura. E por lá fico, estante por estante, livro por livro, sumindo por trás de suas formas, cores e palavras, até o momento em que encerro minha visita. É quando relembro tudo o que peguei, folheio cada livro para melhor conhecê-lo, equilibro o pensamento entre a necessidade, o desejo e a exceção (além dos recursos financeiros que me acompanham no momento), e faço uma dolorida triagem, acabando por levar sempre menos da metade do que gostaria. Nas primeiras vezes esse momento era mais difícil. Agora me resigno a ele, ajudando-me para isso a memória, trazendo à mente os livros que ainda me esperam em casa, saudosos de um contato mais próximo com minhas mãos e com meus olhos.
Dor foi o que senti ao organizar meus livros em casa, espalhados que estavam pela prateleira que tenho sobre a cabeça aqui onde escrevo e pela cama que sobra em meu quarto, útil justamente para acomodar meus materiais de pesquisa e de leitura. Mas foi uma dor gostosa de sentir, e aqui o paradoxo é proposital por refletir o que foi sentido.
No dia anterior mexi e remexi em meus cd´s e dvd´s. Todos organizados por aproximação, no que diz respeito aos estilos musicais. E, empolgado pelos momentos ali vividos, encarei uma reorganização dos livros, já ciente de que a entrega emocional seria mais intensa.
Gosto de olhar para meus livros. Gosto de senti-los pelo tato. Gosto de folheá-los e de relembrar o exato momento em que foram lidos ou comprados, sendo que de alguns ainda não conheço seus interiores, seus poros de vida, os espaços entre palavras – e as próprias palavras – que os fazem ser o que são, para as quais construo os significados que me tornam quem sou.
Nessa breve atividade de fim de tarde (ainda não tenho tantas estantes e tantos livros espalhados pela casa) voltei aos meus 14 anos, com a leitura que fiz de “O rádio, o futebol e a vida”, de Flávio Araújo, e de “Zico, 50 anos de futebol”, num mês de julho, na praia de Itaguaçu, durante as férias escolares de meio de ano, durante manhãs e tardes chuvosas e frias, enrolado entre cobertas e travesseiros, numa época em que eu respirava futebol.
Memórias mais recentes também resgatei. Ao passar o pano em “O inventor da solidão”, de Paul Auster, comprado despretensiosamente numa feira do livro de Joinville; ao reler algumas crônicas sensíveis e marcantes de “Por que os homens não voam?”, do sensível e marcante Pablo Morenno; e ao encaixar “Uma história da leitura”, de Alberto Manguel, sempre tão recorrente aos meus textos sobre leitura, num novo lugar na estante, rodeados por novos livros sobre práticas de leitura, e com um espaço ainda disponível aos que no momento leio para o término de minha atual pesquisa, que daqui a pouco rumarão aos seus novos lares em meu quarto.
Costumo dar aos livros, em meus escritos e falas, tratamento de como se tivessem personalidades e vidas próprias, pois acredito muito em que eles tenham, sim, suas vidas próprias, suas personalidades que os caracterizam como livros (sem contar as especificidades de gênero às quais eles dão vida e das quais recebem vida). Mais vivos ainda eles se tornam quando em contato com os olhos, a boca, os ouvidos, o tato, e todos os sentidos do ser humano, que a eles dá novos significados, que a partir deles forma-se enquanto ser humano e cidadão social, que sem eles e seus registros (ficcionais ou não) não existiria.
Nessa breve atividade de fim de tarde ainda fiz uma pilha da qual irei me desfazer. Sem choro, sem lamentações. Livros espíritas, romances água-com-açucar, receitas de auto-ajuda. Já tiveram sua importância. Já encerraram seus ciclos por aqui. Agora seguirão adiante, conhecendo novos donos, novas prateleiras, sentindo novos cheiros, oportunizando novos aprendizados. Assim ocorre conosco, pessoas de carne, osso e cérebro. Assim ocorre com os livros, alimentos da mente humana.
Até a próxima reorganização livresca, as biografias abrirão os espaços (ou a falta dos mesmos) na estante, seguidas pelos de filosofia, anteriores aos de educação/leitura, que abrem caminho para as crônicas e os contos, tendo como seqüência as poesias e os infanto-juvenis, seguidos pelos romances e pelos de literatura brasileira, que encerram a prateleira e levam à porta do armário, no qual dormem tranqüilos os best-sellers e mais alguns romances.
Í.ta**

segunda-feira, janeiro 28, 2008

Título

Título

Não há pressa no escrito
Já há muito existido

É uma força que o move
Que o rasga,
Que o contorce

Espera no escrito
Da folha branca
Nas sombras sem vida
Num espaço, num canto

Passa pelo nada
Descreve um ciclo:
Pensa, escreve,apaga,
Rasga, dobra, escreve,
Lê e se gosta

Escreve os versos
Escreve as estrofes
Escreve a poesia
E os guardam na gaveta

Usa de tudo
Da inspiração à expiração
Da imagiação à metalinguagem

E pega outra folha
E pega outro lápis

Título

domingo, janeiro 27, 2008

Saudações opacas


Aceno sempre quando o avisto

Um rosto alegre

caminha porque tem direito,

é verdade

mas a verdade

Quer gritar

toda insensível

ora eu tampo-lhe a boca

por que a mentira é mais doce.

Gente, mil desculpas não ter ido pro encontro...
Acabei indo pro Rio "mermo", e não rolou dessa vez.
Mas dessa vez! Haverá outras...
Abraços a meus companheiros azuis.

Contato

Subi os degraus com impulsos acostumados do corpo, deixando antes uma velhinha típica passar à minha frente. Ela tinha uma espécie de xale sobre o vestido florido, que lhe davam um aspecto digno de senhora idosa de classe média. Via-se bem que se arrumara, pusera brincos de bolinhas achatadas verdes e sandálias de pequeno salto brancas e limpas, que pareciam ou eram pouco usadas, e combinavam estranhamente com seus também brancos cabelos presos em coque. Deu-me um largo sorriso quando a deixei passar e subiu com uma destreza incondizente com seus cabelos grisalhos, mas aceitável por seu alegre vestido e sua pele viçosa. Porém não havia mais lugares nos bancos especiais destinados a velhinhas e grávidas e portadores de Síndrome de Down e todos esses que aparecem comportados, distantes e bonzinhos nas novelas politicamente corretas. Por isso a senhorinha passou pela catraca, desembolsando dois e cinquenta pela passagem - o que vi e não vi, pois estava ocupada olhando fixamente um ponto qualquer na janela. Parei de olhá-lo para também pagar minha passagem. Olhava agora os passageiros ao fundo, que olhavam a velhinha se aproximar como se o próprio Destino. Sentou-se. Atravessei o corredor cambaleante com os mesmos olhares direcionados antes à senhora voltados para mim. Tive vontade de ser pequenininha ou de ter Down para ser invisível. Poucos se conheciam ou conversavam. Somente um casal discutia sobre um armário das Casas Bahia e dois garotos ao fundo riam depois de falar palavrões um pro outro. Mesmo assim, havia uma agitação dos passageiros todos, liam revistas fazendo barulho, abriam bolsas, falavam nos celulares, alternadamente, ou ficavam com olhares e pescoços de pombo, a cabeça virando, os olhos fixando-se num ponto, a cabeça novamente virando, os olhos em outro ponto, ..., assim por diante. Eu também tinha um grande olhar de pombo, e já me preparava para tomar o lugar de uma mulher que mexera em sua bolsa, mexendo na minha, quando a senhora disse a meia voz, como se diz em lugares públicos sem se ter um interlocutor definido:
-Puxa, é uma falta de respeito eu ter que pagar pra sentar! Não é?
[E, nessa pergunta final, dirigia-se a mim com a cabeça, meio sem jeito. Talvez houvesse encontrado uma cumplicidade ou facilidade no meu jeito; às vezes me sinto como um velho padre de paróquia, mas sem infligir temor nos outros.]
-É sim...
[respondi com um meneio leve de cabeça; Não me interessava muito falar com ela. Estava ocupada agora com a contade de pegar meu livro na bolsa e lê-lo sem desviar os olhos até o fim do meu destino. Mas a senhora continuou:]
-É que não saio muito, não costumo pegar ônibus sempre...
-Ah, sim... Olha, quando for assim, a senhora deve pedir pro motrista parar, e é só entrar pela portinha de trás; aqui também tem cadeiras reservadas...
[Tentei parecer delicada, mas me sentia um pouco constrangida.]
-Aahh, brigada, minha filha...
-Nada!
-...Sabe? Você se parece muito com minha neta... Parece sim! Ela é bonita e nova assim também.
[Os olhos dela brilharam.]
- Ah, é? Brigada...
- Sabe? Eu gostava muito de conversar com ela, mas ela agora está em São Paulo, estudando...
[Seu rosto, por um átimo, se abriu num abismo triste, disse 'estudando' como um lamento que fosse também uma censura.]
-Ah, sim...E a senhora mora com quem?
[Ela suspirou.]
-Moro sozinha, minha filha. Desde que meu marido morreu
[parou como se quisesse continuar, esperando uma resposta.]
-mmm, que pena...
[Nunca sei o que dizer nessas horas, e sempre acabo dizendo algo que me parece idiota. Talvez tudo seja idiota perto da morte. Talvez tudo seja idiota.]
- Mas já faz muito tempo...
[Abanou os pensamentos com a mão e sorriu novamente.]
Nessa altura, alguns "pombos" nos fixavam os olhos, isso me deixava um pouco nervosa, me fazendo mexer na bolsa de vez em quando. Talvez nossa conversa fosse uma ameaça, provava que os outros também poderiam sair das carapaças e conversar entre si. Isso devia deixá-los assustados, assim como me deixava nervosa sentir que eu perturbava o estranho equilíbrio de ações e vozes desconjuntadas do ônibus.
- A senhora é bem bonita, viu? nunca pensou em encontrar alguém de novo?
[Risos largos dela.]
-Nãão...Já estou velha pra essas coisas...
[Calou-se, fazendo um não com a cabeça, sorrindo romântica. Vi castelos no ar em seu redor.]
- Verdade! Queria ser como a senhora se tivesse sua idade!
[ Não era bem verdade, sempre imaginei morrer antes dos 40.]
- Brigada, você é uma mocinha muito gentil.
(...)
A conversa seguiu nesses termos afáveis e foi se aprofundando. Fiquei sabendo de sua filha, morava em Minas mas sempre costumava visitá-la, isso quando a casa era ainda cheia, quando o marido era vivo e os dois filhos ainda não haviam partido para outras cidades. Justamente a filha dessa filha era a neta que se parecia comigo. Entendi, então, o peso das palavras trocadas naquele ônibus com aquela senhora, como eram importantes para ela, saída de uma toca em busca de alguém da mesma espécie. Quando percebi a importãncia do momento, me senti um pouco culpada por não sentir nele a mesma importância. Essa culpa me deixou, ou me obrigou a parecer, mais solícita e interessada na conversa. Ela deve ter percebido isso, pois nessa hora me passou o telefone de sua casa, junto um convite para ir visitá-la logo que ligasse. "Você vai ver minhas plantinhas!" Ou talvez tenha percebido meus olhares para a janela, dizendo que logo eu teria que descer, e me deu seu número com receio de retornar ao silêncio; seu telefone como uma luz no fim do lusco-fusco a que se acostumara na casa vazia; fézinha. Peguei o papel e o guardei no bolso interno da bolsa, já lotado de papéis de bala, tíquetes, cupons, outros telefones e até um chiclete mastigado envolto num pedaço de uma prova da faculdade. Estava com pressa, os movéis baratos sinalizavam a proximidade da minha parada, deixando-me naquela agitação superior de quem se sente em casa. Disse enfim àquela senhora que eu tinha que ir, dei-lhe dois beijos nas bochechas, que mal e mal consegui acertar naquele balanceio, puxei a cordinha para dar o sinal e desci naquela esquina tão minha conhecida. Depois fiz coisas simples que sempre faço: passar na locadora, cumprimentar o bêbado do bar, pagar minhas contas atrasadas... E cheguei em casa. Pensava no dia, naquela velhinha doce e só, deseperada e quieta até o desespero levá-la a procurar umas palavras amigas. Quem sabe eu me tornasse uma velhinha igual e, como ela, encontrasse uma pessoa como eu, displicente, que me escutaria por um misto de polidez, vontade e dó? Talvez eu a seja neste momento, desmascarada a juventude, os afazeres com ares importantes, as pessoas em redor, estou tão só quanto ela. Nisso eu pensava enquanto vasculhava a barafunda de papeizinhos à procura do dela. Nada. Seu telefone havia sumido, se extraviado enquanto eu voltava à minha vida de sempre, como se nunca houvesse existido. Senti-me mal. Uma estranha sensação de ter escolhido aquela perda, uma culpa. Mas um alívio também. Uma pontada na cabeça me dizia que se o houvesse encontrado, jamais ligaria.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

demais


palavas demais
informação demais
conversa demais
pensamentos demais
conhecimentos demais
técnica demais
rebuscamento demais
o mundo é grande demais
é complicado demais
e humildemente eu peço


menos

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Sobre o Encontro do TBW, dia 20/01

Bom, eu tinha pedido para o Carlos, Onox, escrever sobre esse dia. No entanto, acabei voltando atrás e decidido eu mesmo escrever.

Motivos? Não faço idéia. Ele muito bem poderia tê-lo feito. Mas deixei quieto. Não é justo que ele escreva sendo que tive a idéia do encontro. Achei que seria melhor eu mesmo cuidar disso.

--

Não estava frio, exatamente. O vento fazia uma brisa que ondulava junto com a temperatura, sem oscilar demais, sem nos castigar demais. Uma coisa era entediante e irritante: a chuva. Era fina, nem um pouco espessa. Não molhava tanto e ao mesmo tempo molhava, como estavam a maioria das chuvas daquela semana de verão, com chuviscos tão pontuais quanto em uma vegetação amazonense.

Cheguei pontualmente às 14 horas. Mentira, confesso que cheguei 14:03. Quatorze e poucos, ou muitos, depende do ponto de vista. Talvez seja culpa do meu curso de francês, que tirou minha pontualidade britânica. Não importa muito. Ladislau me esperava na catraca e não havia mais ninguém com aquela rapidez de chegada. São Paulo é um caos para encontros com horas. Sempre esperamos 15 ou mais minutos de atraso.

Lau falou um pouco sobre seus textos, aproveitei e falei dos meus e meu irmão acompanhou o papo sem boiar muito. Gostei da conversa e gostei do fato do pessoal tirar sarro dos textos do Lau, embora ele não aprecie isso. Eu acho que brincar, zoar a aloprar acabam, no final das coisas, mostrando quem nós somos. Seriedade é bom, mas sinceridade muitas vezes traz à tona as minuncias da inspiração. Nunca disse para desestimular ninguém, mas não há mal nenhum na ironia.

Saímos da estação: eu, Lau e meu irmão. Aquelas porcarias dos pingos resolveram ficar mais espessos e rápidos, enquanto meu guarda-chuva parecia um galho torto de uma árvore, todo desgrenhado e com metais soltos. Andamos e vimos um Carlos Onox meio cegueta, que não nos percebeu. Tive que dizer claramente: "Dog, aqui!". Éramos quatro e aguardávamos os restantes.

Esparramei meus livros. Ferreira Gullar, Edgar Morin, Vilém Flusser, Fernando Pessoa. Onox falou sobre medicina, sobre linguística, sobre como é interessante a composição de palavras, a etimologia e falamos de futuro. Lau ouvia atentamente, meu irmão já estava mais desligado, embora falássemos com sossego, sem cobranças.

Antonechen chegou uns 20 minutos atrasados, algo nesse naipe. Falamos de Asimov, distribuímos poesias, comentamos sobre nossas produções. Comentei sobre os assuntos que ando mais relatando ultimamente: loucura e tempestades, coisas que têm invadido meu íntimo. Coisas de fresco. Minha namorada, Ly, chegou algum tempo depois, não lembro.

Decidimos ir comer no Habbibs, que ficava perto da estação São Joaquim de Metrô. Nenhum sinal da Carol "Mozão" ou de qualquer pessoa. Do chão (ou seria do TETO?!?) surge Sir Varios, William Gnann, todo molhado e atrasado. Fomos fazer nosso lanche, regado a esfihas, beirutes e refrigerante. Nada de boemia, só nerdisse.

Pouco antes de irmos, falei para eles sobre literatura Beat. Escritores norte-americanos sexualmente transgressores que influenciaram fortemente o rock. Para reforçar minhas palavras, segue aqui as recomendações do encontro: Geração Beat e On The Road, ambos de Jack Kerouac.

Compramos bebidas, pegamos chuva. Minha mala pesava (além de todos os livros, peguei o Harry Potter and the Deadly Hallows que tinha emprestado pra Ly, peguei o Ensaio Sobre a Cegueira, dela, e meu Mito de Sísifo de Camus, que estava com Onox. Dava pra fazer exercício).

Para seguir com a narrativa, colo umas mensagens de msn:

Ly^^ [CLW] Acho que vou começar a CLL... HAUAHAUHAUHAUHA!!! diz:
LOL nao dxa d escrever as frases célebres:

Ly^^ [CLW] Acho que vou começar a CLL... HAUAHAUHAUHAUHA!!! diz:
"Lylla, seu pai eh efervescente?"

Ly^^ [CLW] Acho que vou começar a CLL... HAUAHAUHAUHAUHA!!! diz:
"Tá todo mundo vivo aí???" (by random mendigo)

Pedro :: The Passenger, Iggy Pop diz:
XD

Pedro :: The Passenger, Iggy Pop diz:
nessa frase do mendigo, eu acrescento um pensamento meu

Pedro :: The Passenger, Iggy Pop diz:
"Não, você tá morto, filho da puta =D"

Pedro :: The Passenger, Iggy Pop diz:
XDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDDD

Ly^^ [CLW] Acho que vou começar a CLL... HAUAHAUHAUHAUHA!!! diz:
ahuahauhahuaauh XDDDDDDDDDDDDDDD vc tinha q copy e paste esse nosso histórico no post HAUAHAUHAUHAAUH!!! XDDD


O mendigo resolveu bater papo com nosso grupo, achou que jogávamos RPG. Fiquei em silêncio. Não tava afim de conversas. Puxei uma folha pra escrever e repassei. Lau falava com o dito cujo. O resto ria e eu escrevia. No fim, o ser chapado foi bater palmas para alguma das bandas que tocavam no Centro Cultural São Paulo, nosso ponto de encontro. Então, passada a folha, o lápis e a borracha, todo mundo escreveu. Mesmo quem não materializou, contribuiu pra quem, de fato, escrevia. Anti-Euclidiano saiu desse jeito.


Estava com tempestades. Sabia que não era daquele dia, que não era aquela chuva. Tiramos boas fotos e, graças ao meu cabo e à minha inteligência, eu as perdi. Onox chegou a tirar a camisa e erguer o livro 120 Dias de Sodoma, de Sade, para uma foto. Parecíamos uns estranhos, falando alto e imaginando o futuro. Não sou cético, mas assumo que não acredito em destino, embora o debate sobre nossos escritos muito me agrade.


As tempestades me corroíam e eu resolvi partir. O poema feito por 8 mãos estava pronto e eu guardei na pasta, para transcrever aqui. Eram umas 7 e pouco da noite quando o encontro começou a se desfazer. Talvez nós façamos isso, de novo, em fevereiro. Sem pressa.

Me identifiquei mais com a história da Geração Beat de Kerounac: nos encontramos naquela tarde para fazer os relatos de nossas viagens. Hoje em dia, ninguém precisa ser como os Beats: não precisamos de motocicletas para conhecer o país todo, não precisamos nos privar de residências fixas. Tem Google pra isso. No entanto, com aqueles indivíduos reunidos, queria relatar minhas viagens pessoas, sem uso de drogas e regadas em muitos costumes "caretas".

Onox tinha uma metáfora diferente. Usava o exemplo de Mallarmé: reunia burgueses em volta de uma poesia com várias ligações, subjetiva. Não acho que sejamos burgueses, tem gente mais rica, garanto. Mas éramos, e somos, garotos com muito o que dizer, embora a direção ainda não seja clara. Talvez eu nem queira que esteja clara.

Deixe os leitores saberem qual nosso real significado (...).

quarta-feira, janeiro 23, 2008

Queria ter nascido assim eterna criança

Lesado pelos ventos do mundo, torcido em viés
Criei-me na tristeza por meu sangue de vileza
Não sei o que é ter certeza de estar triste
Pois sou beleza que não se põe à mesa.

Calo-me, virtudes não me são necessárias
Sem expressão, ser sem mão
Rastejando em ruínas de ruídos
cheiros, gostos, esboços, coisas
texturas atritos, aflitos gritos
lembranças de tortura de crianças

Mas não sei o que é estar lúcido
Mas não sou maluco, beleza?

Sou apenas
Um inocente quase vivo
À frente um cortejo de doentes

Meu funeral é sacramento,
só me esperam no cimento.

Um indigente quase digno
Em um mundo de dureza,
crudeza, pureza, rudeza, beleza?

E talvez um dia você se lembre
Desta extensão de ser humano.

Eu queria ter nascido assim, eterna criança
Ser doce, doce sempre, mesmo lambuzado em fel
Não sou nada perto
Sou tudo longe.

terça-feira, janeiro 22, 2008

Anti-Euclidiano

Barulhos que me irritam,
Embrulhos que me limitam,
Pareço presente no entulho.

Um estômago estridente azedo
De ácidos muriáticos, medo
Da digestão indigesta, do embrulho.

Embrulho, disfarço
No estar do braço,
Me limito a fingir.

hermeticamente, e mais
nenhum advérbio - setinhas
voam em um céu nublado - há de haver!

As setinhas, o barulho e meu estômago
Embrulham meu pensamento,
Que digere o conteúdo aberto
Do mundo diverso.

Escuto o discurso entricheirado
Das vozes aparentemente caladas,
Sumissas ou mal-cheirosas.

A seta vermelha incorpora um bicho
e discute com a amarela, a branca,
e mais outra qualquer: o vento está forte.

É um farol de sinais, uma indicação sem finais,
Objetivos, signos, sentidos.

A setinha sentia, setinha sem tia,
Orfã, de origem vetorial,
De resultante perdida, informal.

Setinha, do vetor velocidade,
Do móvel que vê-lo, a cidade
Veio ser incrementada, por produto escalar normal.

Cidade, a matriz do sistema,
Cidade linear, unidimensional,
Cidade produto de equações e esquema
De uma verdade aritmética,
Mas incerta como eutética
Ou azeotrópica mistura,
Ponto difuso de fusão e fervura...

- E dentro da legalidade
desfez-se a seta-rei -
Seis sinais retangulares:
Esquerda, esquerda, centro, direita, direita, muito direita.

Arquitetura do centro de cultura,
Uma textura desenvolvida em argila,
Uma tontura previamente calculada.

Estávamos apenas andando, molhados,
Despidos de idéias, ocupados
Nas sinalizações dos canos,
Nos encantos jogados.

Postado por:

Pedro Z. de A.
SirVarios
Carlos Onox
Carlos Antonechen

Em 20 de janeiro de 2008, no Centro de Cultura de São Paulo.
Às 19 horas e 30 minutos.

--

Poesia feita em conjunto, com muita reflexão bizarra e risadas sobre quem ler isso, durante o encontro realizado entre integrantes do TBW.

domingo, janeiro 20, 2008

SAMPOEMAS III
25 de janeiro de 2007
Comemoração do aniversário de São Paulo
Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura



Para comemorar o aniversário da nossa cidade, a Casa das Rosas –
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura convida a todos para
um dia de apresentações poéticas e musicais com a participação de
algumas das mais importantes vozes poéticas de São Paulo, incluindo a
sua! Venha participar e apresentar o seu poema sobre a nossa Paulicéia
Desvairada!

14:00h – Água: entre o rio e o mar
Recital de Átila Almada, jovem poeta paulistano cujo trabalho se volta
para a reflexão sobre o cotidiano nesta grande metrópole. Nesta edição
do Sampoemas, os poemas apresentados abordam primordialmente a questão
da água, um dos tópicos mais relevantes para o futuro da humanidade.

15:30h ¬– O Último Canto da Cigarra
Lançamento do último número da revista A Cigarra,
publicada por Zhô Bertholini e Jurema Barreto de Souza desde 1982.
Esta edição, de número 42, conta com a colaboração de, entre outros,
Glauco Mattoso, Augusto de Campos, Arnaldo Antunes, Alberto Marsicano,
Cláudio Daniel, Júlio Mendonça, Tom Zé, Jomard Muniz de Britto,
Ronaldo Azeredo, Marcelo Montenegro e Walter Silveira. O recital conta
com a presença confirmada de Hélio Néri, Fabiano Calixto, Beth Brait
Alvim e Tarso de Melo.

17:00h – Perseptom Banda Vocal
São sete vozes apenas, mas que têm a sonoridade de uma banda inteira.
É na voz, com a técnica do beat box e da percussão vocal, que eles
trazem a bateria, o pandeiro e os chocalhos, além de todo o
preenchimento harmônico. Trabalho internacionalmente reconhecido, são
o segundo melhor grupo vocal do mundo na categoria World Álbum (Melhor
CD) e World Song (Melhor canção), segundo a CASA (Contemporary A
Cappella Society of America) dos EUA. Também no Brasil alcançaram o
reconhecimento do seu trabalho diferenciado, estando entre os três
finalistas do Prêmio TIM 2007 na categoria Melhor Grupo de MPB.
Integrantes: Eloíza, Estela Paixão, Cristiano Alberto, Aníbal e Valter
Macário, Diego de Jesus e Du Machado.


18:30h – Especial Roberto Piva
Récita e entrevista pública com Roberto Piva, um dos poetas
paulistanos que, desde a década de 1960, mais e melhor cantou a nossa
cidade. Segundo João Silvério Trevisan, "Piva mora em São Paulo,
cidade que lhe parece apocalíptica, exemplo do que não deve ser feito
contra o meio ambiente, mas que forneceu todo o pano de fundo para sua
obra poética."
A entrevista será conduzida por Roberto Bicelli e Cláudio
Willer, grandes poetas e companheiros de geração de Piva.

20:30h A Meditação sobre o Tietê
O ator Pascoal da Conceição explora sua semelhança física com o
escritor Mário de Andrade (1893-1945) na interpretação do seu último
poema, "A meditação sobre o Tietê", no qual o autor de Macunaíma
colocou o ponto final 13 dias antes de sua morte. A leitura terá o
acompanhamento musical de Luiz Gayotto, Maria Alvim, Paulo Padilha e
Marcelo Ferretti.

21:00h Saraokê Sampoemas
Mais uma edição do já famoso "Saraokê" da Casa das Rosas, em que o
público é convidado a apresentar poemas com o acompanhamento dos
talentosos músicos Luiz Gayotto, Maria Alvim, Paulo Padilha e Marcelo
Ferretti. Nesta edição especial do aniversário de São Paulo,
intitulada Sampoemas, os participantes são convidados a declarar seu
amor pela cidade, seu ódio, seu carinho, sua indignação... Em suma,
sua emoção. Participação especial do Grupo Rascunhos Poéticos e de
todos que queiram transformar tudo o que sentem por São Paulo em poema
e mostrá-lo ao som do improviso dos nossos músicos no Saraokê
Sampoemas!



E mais...

Exposição "Fotografando o Poema", de Selma Fernandes
Coquetel de abertura, 8 de janeiro às 19h


Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura
Casa das Rosas
Av. Paulista, 37
01311-902 São Paulo SP
Fs: 3288-9447 ou 3285-6986

.

Pois é, recebi por e-mail o aviso e gostaria de repassar a vocês. Talvez eu não vá, não sei se vou ao Animedreams mesmo, que horas saio, simplesmente não sei; mas podem marcar algo, irem, talvez até recitar algo de vocês. Gostaria de falar algo meu se fosse...

Qualquer coisa, falem por aqui, no orkut, MSN ou deviantART. Abraços!

sábado, janeiro 19, 2008

É um acontecimento. Um cimento.

Quando você se torna louco, não há razão que o acalme, não há emoção que o embale. As palavras dos outros nunca são suficientes. O recipiente da sua mente é calcário. A água, ao invés de dissolver, cimenta, solidifica, endurece, percorre seu corpo e não o enxuga.

Esse muro só desaba sob porrada. Sob marretadas, é uma queda forçada.
Minha mão dói, a minha mente ainda me corrói.
Sou homem.
Doutor Adão, 19/01/2008.

sexta-feira, janeiro 18, 2008

Papel sem Sombra

Ouve a palavra
Que pede a voz
Numa linha estreita
Em silêncio vibrante

Espera escutar
Aquela imagem
Que se contorce
Sem seu som

Esconde no silêncio
A sombra da palavra
Que veste de preto

A folha nu
Sem sombra
Sem palavra

quarta-feira, janeiro 16, 2008

1º Encontro dos Escritores do TBW

Data: 20/01/2008
Horário: 14:00 (quem se atrasar, pode chegar depois, contanto que não atrapalhe ninguém ao chegar)
Local: Centro Cultural São Paulo, próximo à estação Vergueiro de metrô (com saída)
Encontro: Catracas do metrô (depois das 14:00, dentro do próprio CCSP)

Favor, quem quiser contato comigo, pode pedir contato via comentário ou pelo meu e-mail, pedrosolidus@gmail.com.

E quem tiver alguma objeção/sugestão sobre o encontro, continue comentando.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Hora Infértil

Oi amigos, cá estou com outra coisa escrita.


Hora Infértil


Sentimentos que conspurcam incendeiam
Alma de pecadores, traidores infiéis
Adicionados a dedo longo em listas
Que ocultam verdades suspensas por uma corda

Contemplem hereges
As pernas balançando loucas
A etérea morte que não afrouxa
Assistida pelo terror roxo

Vemos as mortalhas da infâmia espalhadas
Neste chão afável que consome a embriaguez
Veja você, perecível infrator
Quem não pisa no patíbulo
Gira e vive no olvido.

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Não, não corras de mim
Pois eu troxe tua chave
Não roubarei semântica
Somente a tua palavra

Preciso de tua idéia
Toda original e nua
Buscar-te-ei as entranhas
As estranhas palavras

terça-feira, janeiro 08, 2008

Por que a inspiração some
Como uma vítima foge
De seu predador com fome?

Ou não aparece a rima
Em uma simples poesia
Como a fome duma fera?

E seria apenas fera
Essa que devora a métrica
A esperar uma poesia?

Estes versos foram vítima
Duma fome dum poeta
Assim és fera em sua fome

quinta-feira, janeiro 03, 2008

Para começar 2008 - Um encontro do TBW

Como o título é auto-explicativo, basta que saibam que, à partir do dia 6, estarei de volta das minhas viagens, ocupado apenas com algumas aulas durante a tarde. Mas dá, perfeitamente, para marcar um encontro de escritores.

Temos alguns problemas para reunir o pessoal, três, para ser exato:

- As provas do vestibular da FUVEST que vão até dia 11;
- As provas da UNICAMP que vão até dia 17;
- Alguns dos integrantes que moram no Rio (Carol "Shadow"), Jaraguá do Sul (Guilan) e Mogi das Cruzes (Carol "Mozão").

Com esses três empecilhos, e mais algum, se eu esqueci, proponho que, nos comentários desse post, discutamos uma data, se possível ainda em janeiro, para reunir o maior número de pessoas possíveis dentro desse blog.

Por favor, entrem em consenso e fiquem livres para conversar aqui. Peço só que não briguem.

Grato pela atenção,

Pedro Zambarda de Araújo.

terça-feira, dezembro 25, 2007

Céu da madrugada do pós-Natal

Céu da madrugada
Nublado que nada mostra
Sem luz enfeitada

domingo, dezembro 23, 2007

Transcendente

Transgressor
Revolucionário,
Nosso orador.

Relação

Ação que rela,
Acaricia a mente,
Mente que apela.

(Mente que conclama)

sábado, dezembro 22, 2007

Passatempo

Fim de ano, ceia,
As pessoas se abraçam,
Tempo esfaqueia.

O Grito do Confinado

Meu céu tem um limite,
O azul púrpura agora brilha vermelho
Tive palavras para serem ditas
Mas tuas más ações criaram feridas

Eu estaria melhor se o Sono Eterno me acordasse
Porém ainda me queimo neste inferno verbal
Que há de tão mau em falar mal
Brilha negro meu plácido lamento, vulgar.

Não há espaço para o azul quando todos gostam do vermelho
Sem opção eu ando a esmo, um pouco mais para baixo
Vagando nas margens dum rio, solitário de frio
Ávido, sacio minha sede com palavras importantes

Eu estaria melhor se a Morte me consolasse
Mas minha trajetória precisa estar nas alturas
Espalho meus pedaços por aí, após esquartejado
E quero que contemplem tais bravuras

Meu sorriso se assemelha a uma máscara vasta e vazia
Gostaria de arrebentar este riso que me deixa preso
Sobrepujar com mil socos este caráter jocoso
Que me sufoca, nauseabundo, dentro do meu próprio gozo!

Eu estaria melhor se esta foice me ceifasse
E com soberbos modos finalizo a aventura
E deixarei recados para amigos, saudades
A todo resto reservo um cauteloso silêncio.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Anjo de Antenas

Anjo de Antenas, vil tecnocrata,
Formado por circuitos integrados
Componentes de elétrons namorados
Anjo d'asas feitas de fina prata

Suas antenas são pontos de acesso
De emissão, de alta tecnologia,
Onda eletromagnética envia
O atual expoente do progresso!

Anjo de Antenas, milagre veraz
Capaz de processar o mundo inteiro
Capaz de reunir os mais distantes...

Bom anjo que me traz em um instante
Notícias de lugares derradeiros
Como nenhum outro pode eficaz!

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Anjo de Atenas

Um Anjo tolo deliciava-se com arpejos
Desciam os dedos deslizando ágeis, em sua lira
Compleição divina, mestre dos gracejos
Seus inimigos fulminava, caprichos de sua ira

Das tênebras pavorosas emergiu sátiro flautista
Ao ver o Anjo empoleirado na mais impávida pilastra
Satirizou a gabolice sádica do empolado lirista
"Atire-se daí, demônio louro de cabeleira basta!"

Quanto mais o flautista gingava, o Anjo tocava
Maldosas canções angélicas que emanavam graça
"Este sátiro ousado está pedindo reza brava"
O que é isso? Voe para o inferno, esterco de harpia!

terça-feira, dezembro 18, 2007

Teoria ou "ponto de vista"

Notícia de um jornal diário:

Jovem é estuprada durante uma passeata pela paz, na Rua Brigadeiro Faria Lima, travessa da Avenida Paulista, no último dia 12. A depravação aterrorizou por ter sido cometida à luz do dia, sem nenhum conflito com a polícia e com diversas testemunhas. O criminoso permanece foragido.

Relato de um estudante do curso de Letras da Universidade de São Paulo:

Eram onze horas. Onze e poucos. Os ônibus vindos da Cidade Universitária estavam todos atrasados, meus olhos estavam bastante irritados, meu físico estava um caco, mas o propósito guiou minha motivação, meus passos.

Marchei algum tempo com as pessoas, em uma caminhada irregular, em algumas esperas. Vi o alvoroço nas ruas, as caras estáticas, as tábuas pálidas e os rostos indecifráveis. Via a moça berrar de dor, gemer por sua vida, enquanto ninguém fazia nada.

Gravação de uma senhora de setenta anos:

A passeata sempre foi um costume aqui em São Paulo, por isso sempre tentei ir quando pude, quando minha saúde permite. Últimamente tem sido perturbador. Andar na cidade é um filme de horrores, não é como meu tempo, ah, aqueles anos (...)...

Vi a pobrezinha pedir por ajuda, vi alguns senhores tentarem abrir passagem para fazer alguma coisa, mas o nojo, o asco de ver aquela situação constrangedora, aquele ato desumano, me fez apertar o passo, com medo que aquela aberração acontecesse também comigo. Temi por minha vida.

Diário de um psicanalista:

Estava colado com a garota que foi estuprada no dia 12 desse mês. Poderia ter feito algo, poderia ter impedido que ela tivesse sido violada pelo homem, mas, de alguma maneira, o criminoso era extremamente sedutor, com uma falta de pudor que paralizou todas as pessoas. A própria garota, embora gemesse por sua integridade moral, gemia por um certo prazer. O nosso próprio terror é um tipo de regozijo que, por mais que neguemos, está presente em nosso corpo.

Aqueles que estavam olhando nos olhos do assassino da ética, sem estar embolado na multidão, eram contagiados por sua malícia e sua precisão. Ele nos chocou, nos atraiu, violentando a moça e saindo sem nenhuma conseqüência para si. Fez isso tudo, isso poucos jornais noticiaram, portando uma faca do tamanho de um canivete. Um pedaço de ferro legitimou o ato sexual dele.

Gravação de um pai de família, por volta dos trinta anos:

O estuprador apareceu, sacou um revólver, deu três tiros para cima e raptou a moça. Meteu nela umas sete vezes, gemendo ameaças em seu ouvido. Pensei em proteger minhas filhas, já que a polícia estava à caminho.

Depoimento de um jornalista presente na rádio local:

Foi uma indignação presenciar aquela cena, onde o estuprador usava uma granada para afastar as pessoas. Violentou a moça, mas foi retirado à pontapés pela multidão. Como a Paulista é enorme, não foi difícil para ele fugir.

Pequeno texto embaixo de um desenho de Jonathas, 8 anos, em seu colégio:

Vi a moça e o moço se mexendo na parede, soltando barulhos esquisitos. Ao redor muita gente gritava, muita gente xingava, meu pai falava, minha mãe chorava. Os que tava mais perto arregalava os olhos, mas pareciam como na missa do padre, meio sérios.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

Propaganda descarada sobre textos não tão sérios

http://higienicopapel.blogspot.com/

Weblog que formei com um colega para falar sobre assuntos inúteis, pensamentos desconexos e várias citações de outros sites.

Uma idéia bonitinha para limpar o restante das merdas.

sábado, dezembro 15, 2007

Ainda estou

(Oi, pessoal. Este postei simultaneamente aqui e no meu blogue. Lá vai:)

(...)
Fechada neste apartamento. Já não sei, porém, quem o escolheu; se eu, outros ou as circunstâncias. Já não sei se a escolha foi como o testemunho de um torturado: feito para que a dor cesse. Aqui a respiração às vezes me parece faltar e, então, quando sinto haver uma caixa apertada nos pulmões e nos olhos uma ardência, vou à janela, única aqui, ver as pessoas e ouvir o que diz o vento. Isso me excita e faz voltar o ar, como se o coração precisasse de saber existir outros para continuar bombeando. E o excitamento não ultrapassa o que poderia comprometer minha decisão de claustro, vem na dose certa, com a alegria calma do que é apenas necessário. Mas uma vez, ao ver um casal se enroscando por ali, na madrugada da rua, senti espasmos intensos de vontade e de medo da vontade. Quase abri a porta, vi-me fazendo-o, até; consegui me segurar fechando a janela, e fiz um bolo. Tenho por cá tudo de que necessito. A minha linha com a fome é o número de telefone do mercado. Geralmente uma voz fanha atende, eu lhe digo meu nome e os das compras. Ela mas manda pela mão que recebe o dinheiro por baixo da porta; deixa tudo ali, para que eu pegue depois; já devidamente instruída, a mão. E a casa fica sempre limpa, com cheiro do desinfetante que eu sempre compro o mesmo. Há o velho. Ele também está na minha janela, e vejo-o da janela de sua casa: passa a maior parte do tempo que está nela balançando-se na cadeira enquanto assiste a televisão; enquanto assisto a ele. Às vezes se masturba, sei apenas pelo braço frenético – não consigo vê-lo de frente quando se senta, nem a tevê denuncia: já fez vendo um programa de auditório . Gostaria de ver-lhe a expressão. Aposto que não sorri ao se masturbar. Durante os primeiros dias me impressionei com ele, senti pena, depois veio isso, misto de sentimento e aquilo que um animal sente ao ver outro da emsma espécie. Lembro-me de quando uma mulher e uma criança vieram visitá-lo. Ficaram muito pouco; a mulher sorria muito, como na propaganda daquela margarina ruim, que uma vez puseram ali na rua. Eu não conseguia ver o anúncio todo, mas a mulher sorridente estava lá, com pães e bolinhos no prato. Ela me fazia sentir mal, como se quisesse culpar com seu sorriso nossa falta de riso, apesar de parecer gostar dos bolinhos docemente; última coisa na vida dela, os bolinhos. Ela durou muito mais tempo ali do que a outra na casa do velho. Depois da visita, ele pegou a cesta de frutas dada pela mulher e pela criança – seus filha e neto, creio – e comeu uma maçã, enquanto na televisão um homem caía de um muro repetidas vezes a mesma queda.
Houve vezes que desconfiei dele me saber aqui, vendo-o, estando, lutando com estas paredes das quais necessito – elas são minha libertação porque me subtraem o vício. Ele ficou como eu tantas vezes estivera: plantado com os olhos tranquilos mas intensos, invaginando por aquele buraco lento de comunicação com o alheio, tomando aos poucos contato tangente com aqueles poros de ações expelidas como pus. Vez em quando meu vício parece retornar, emsmo sem aquele exterior todo que me ensinava eu ser louca. Aqui posso ser louca, mas não saberei disso, porque não verei minha loucura nos olhos dos outros. Aqui minha loucura é lei, sem outros se apropriarem dela como vício. Os olhos do velho, umas vezes, essas vezes, parecem mesmo tocar nos meus, como quando se põe o indicador na retina para senti-la, e fico brilhando e me esquentam as órbitas de choro morno. A partir daí, comecei a escrever, não sei se por descontrole da minha solidão ou se para assinar minhas próprias leis – porque é isso que ocorre agora; não é o seu mundo, nem o do velho ou o da mulher-manteiga, mas o de todos, que eu posso ter inventado e até nos inventado. Talvez nem haja este apartamento, nº 304, nem este próximo ponto final. Todods invenções da mão que me entrega sabonete ovos café em pó biscoitinhos peixe arroz desinfetante o mesmo sempre, viu, dona fanha? Mas não importa muito. Precisamos continuar, chegar a uma palavra final que fique e se vá e retorne, mas com a segurança de ter sido e de término – um Amém.
(Certa vez tive um sonho. Quando acordei, não sabia se deveria continuar. Por que os sonhos não têm fim? Pois isso me angustiou. Fiquei em dúvida se a vida era vida ou se um onírico seguimento. Abri a cortina, era cedo e o gasto homem não estava do outro lado, só foi aparecer depois de meio-dia. Tentei me recordar bem do que sonhara: um bolo grande, suculento, interminável. Era terrível! Ele precisava da cobertura, mas não havia manteiga suficiente. Eu ia escalando aquele gigante, gritando, Manteiga!, Mais manteiga!, dona fanha! Então, acordei, acho. Último sonho do qual me lembro bem em anos. Ou pesadelo. Ou algo não-real apenas porque acordei?)
Quando cheguei por aqui, os primeiros dias foram limpos e obcecados. Passei a amior parte do tempo organizando o lugar. Depois, revivendo alguns momentos, falando com fantasmas daquele mundo do qual só me restaram memórias, ferimentos – o olhar delecom um largo horizonte de nãos pelo rosto, depois os histéricos “Louca! Louca!”, gritados para seres imaginários de grande sanidade, supus. – dores que me puseram aqui. Preciso me salvar. Vou levar o velho comigo. Sei que ele sabe. Entende. Criaremos um mundo sem filhas sorridentes e maridos tiranos. Iremos além dos pesadelos, criando finais e finais sem nunca faltar manteiga e frutas e masturbações e letras, até, sim, o fim poder chegar. Não vamos nos inacabar por faltas. Maridos, filhas, netos, namorados, mãos, fanhas, todos enrolando caminhos, dizendo para não se calarem, movendo-se por leis abstratas tão rígidas! Você quebrou, Elisa, a regra do infinito sem saída! Disse à senhora na festa: habitei os campos elíseos, sou elisão e alívio – porque queria dizê-lo. Disse verdades suas, findas ali, queridas no momento. Quiseram-na engolinda nos bons-dias, nas conversas de moscas, zumbidas todas. Não podia dizer como gosto de sangrar embaixo da água; a fonte de pêlo e carne fazendo uma aquarela nos ladrilhos amarelos, levando de mim o necessário para a linda visão existir por uns instantes. Ninguém pode saber disso. Ninguém pode dizer realmente. A não ser para si mesmo. Por isso eu me digo e sinto e vivo as minhas verdades a mim, aqui é lei e deve ser assim até eu esquecer que houve outra. Então, já não haverá escrúpulos, ordens, exteriores, porque o meu tudo estará em mim, o que me importa será o importante. Mas ainda não é assim; tenho o vício de me conter, de satisfazer os mesmos seres imaginários dele, com termômetros nas mãos a medir sãos e enfermos, martelos de juízes magnânimos onipresentes.
Respirei e me intoxiquei de toda ladainha daquele mundo.
(Acabei de tomar banho. Meu corpo nu permanece nu – ainda a vergonha deles me observando -, espero o dia em que seja só o corpo.)
Aqui é como um internato para fugir aos internos. Os internos estão lá fora. Só aqui poderei me libertar. Só.
Bebo bastante água. Acostumei-me a isso quando a vontade de comer, não a fome, vinha por tédio. Tomava copos e copos; depois, mijava-os. Uma boa sensação: corpo-cano, tubulação; assim sentia concretamente minha existência, sem intervalos, o que fazia mais difícil o próximo passo. A aprendizagem é lenta. Nem aprendizagem; tento esquecer-me como uma julgada, devo me ver sem ser pelos olhos dos outros. Hoje a água é ritual. Sem solenidades, porém. Solene o bastante sou eu viva bebendo o que me atravessará. Isso sim é excitante, mas não deixaria meu vizinho onanista de pau duro. Diferente dele, prefiro o interno ao me excitar. Antes de dormir, sinto o calor do corpo e encolho-me ao máximo pra retê-lo. Volto ao útero enroscando-me no meu próprio. Já o velho tem a tevê. Mas sei que ele não a percebe. Só abraça uma cena para engoli-la e fazê-la sua. Ele precisa da calma de fazer parte de uma cena. Assim como preciso do calor.
(Este papel me transtorna. Não sei bem o que dizer com isso. Ele me faz não perceber minha respiração, me vou abrindo nele como um origami se desfaz: perde a forma e o sentido, no fim, já não tem o mesmo nome; é outro. Sinto que sou, aos poucos, outra. Ou que deixo a outra para trás.)
Desenho na garrafa de água recém tirada da geladeira. Desfaço seu vestido de suores em gotículas que se vão ajuntando, crescendo, comendo-se até não aguentar o peso de serem muitas, e rolarem para baixo, amontoando-se no pequeno mar de gotas desistentes. Eu desisti de desistir. Sou agora como a gota na superfície do recipiente que lá permanece. Não me junto às outras. Irei secar aos poucos, sem perpetuar os sísifos carregadores de outros sísifos, e deixarei onde estive uma leve sombra com a minha forma. Talvez na tinta.
(...)

terça-feira, dezembro 11, 2007

História da Filosofia

Deus pensou algo,
Ou o nada passou para algo,
Talvez tudo fosse um grande lago,
Uma água, um reflexo sem traço.

Surgiram coisas,
Sumiu a sabedoria,
Nasceu o homem, na alegria,
Na triteza, na dor
De suas conseqüências.

Pesado em seus atos,
O homem se elevou aos autos
De sua comunicação invisível,
Criou a capacidade de pensar
Achando que Deus havia criado,
Sem sequer duvidar.

Pensou um homem,
Pensou as coisas que homem via,
Pensou os símbolos de cada dia,
Pensou nos símbolos de outrem,
Pensou em seu começo, amém.

Pensou, pensaram muitos,
E não pense você que foi sentado
Ou desocupado, pensaram sob ruído.

Pensaram vários tempos,
Pensaram alguns, ambiciosos,
Pensaram em sobreviver nos adversos,
Uns pensaram em se tornar perversos,
Outros pensaram em unir inversos.

Pensa-se hoje, pensa-se em não saber o que pensar,
Pensamos com muito pesar, pensamos em Deus,
Em Zeus, seguramos no raio e nos perdemos no mar.

Pensamos como templários, esquecemos do banho,
Juramos lealdade, nos rebaixamos à condição de rebanho.

Pensamos como nilistas, militaristas e até analistas,
Penso eu como artista, tento pensar.

Penso história, penso comunicador, penso em contas,
Penso dados desconexos e crio pontas, perco a conta.

Pensaram todos os homens uma filosofia,
Quando a filosofia era o veneno de sua história,
A realidade da sua trajetória.

A casa desarrumada e o cobertor

"With the lights out
It's less dangerous
Here we are now
Entertain us
I feel stupid
and contagious
Here we are now
Entertain us
A mulatto
An albino
A mosquito
My libido"
Smells like teen spirit, música do Nirvana.
Visto uma roupa de cama,
Viso uma moça de cabana,
Estou sentindo pontadas,
Vejo facas desdentadas,
Malas desarrumadas,
Asco e saco,
Saco e laço,
Enforcado.
Casarão,
Sem luz,
Casarão vocês
Sem padre, é a vez
Que não reluz,
A redundância,
Falta que seduz.
Escureço,
Esqueço ouro,
Desfaço outros,
Desfaleço em lodo.
Mar de nojo
Mancha meu bojo,
Revestido de vidro,
Um ovo.
Meu ovário se espatifa,
Meu pênis se ressente,
A orgia se desenfia,
O piano desafina.
A torre se mantém, o tom se detém,
As muralhas do meu rosto estão no além,
Além-mar,
Além-ar,
Além-terra,
Além-serra,
Além do que ferra.
A torre se mantém,
Paredes estão podres,
Garotos estão podres,
E os rotos se expandem
E os rostos se escondem.
Cobertor,
Corte a dor,
Cortador
De unha
Encravado
Na cunha,
Cobertor
Que corta a dor.
Muita cor vermelha junta,
Muita velha gemendo das juntas.

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Sobre Ignorantes - Conversa de MSN

Will "Foi-se." diz:
Será que quanto mais você fala menos as pessoas te ouvem?


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
eu tenho certeza que é assim.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
eu tenho a impressão que vou morrer e ninguém vai me entender.


Will "Foi-se." diz:
É incrível.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
mas, essa impressão minha é a prova de que não entendo os outros.


Will "Foi-se." diz:
Faz 10 minutos que eu mando um link para um amigo meu e ele não se ligou que o que ele queria estava lá.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
já deve ter acontecido entre eu e você, não?


Will "Foi-se." diz:
Não assim.


Will "Foi-se." diz:
Mas hoje foi o the best.


Will "Foi-se." diz:
Quanto mais eu falo, menos me entendem.


Will "Foi-se." diz:
Acho que eu devo parar de falar.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
sim, pare. Mas não fique com a ilusão que a situação vai mudar por conta disso


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
e, não sei por quê, fiquei com vontade de postar essa conversa no TBW.


Will "Foi-se." diz:
Sinta-se livre.


Will "Foi-se." diz:
Arte é apenas a livre expressão.


Will "Foi-se." diz:
Nada além disso.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
Não é que essa conversa seja arte, mas, dentro desse problema pessoal, está o problema da arte e das demais coisas, creio.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
por mais que eu admita que eu vá morrer, que tudo é delicado e frágil, eu não consigo assumir isso.


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
Nem você. Mensagens nossas não são entendidas e, mesmo assim, nos indignamos, continuamos tentando nos afirmar.


Will "Foi-se." diz:
Como assim: "delicado e frágil"?


Will "Foi-se." diz:
E qual o problema com morrer?


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
se as coisas não fossem delicadas, não causariam emoções


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
morrer é deixar de entender, de certa forma.


Will "Foi-se." diz:
Ih, esqueceram de me enterrar. xD


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
hahahahaha XD


Pedro :: Videotape, Thom Yorke diz:
somos dois XD


A verdade é que essa conversa ocorre uma, duas, três, cem, duzentas, vezes que eu esqueço de contar. Sempre é mentira quando dizem que isso tem solução. Solucionar isso seria resolver talvez um dos maiores males da humanidade, descrito com exatidão no título.

E cá pego uma citação de Carlos Heitor Cony, no 1º Salão do Jornalista Escritor, mês passado: "Pessoas felizes não são escritores. O homem que está na felicidade completa não vê necessidade em escrever".

Sem mais. E sem fazer drama à toa.

Fila

A mulher entrou no carro outra vez, bateu com a mão na testa como quem acaba de lembrar qualquer coisa e saiu, de novo.

Andou depressa de volta à loja, aquela loja enorme. Entrou de cabeça baixa, como quem se esconde; desnecessário: certamente ninguém a observaria.

Espremeu-se por entre o povo, o estabelecimento lotado dos que deixaram o presente para a véspera. Andou um pouco por entre as prateleiras, ansiosa. Pegou qualquer coisinha pequena, só para disfarçar. Dirigiu-se apressada em direção aos caixas e meteu-se na maior das filas. Apreciou por um momento a distância a ser percorrida, deleitou-se com a espera enfadonha que teria, era certo.

A excitação era absurda, tamanha a lentidão com que se deslocava, tamanha a zanga dos que estavam atrás. Passados quinze minutos, meia-hora, ainda era enorme.

Tentava conter-se, permitiu-se apenas alguns sorrisinhos disfarçados. A intervalos regulares, moldava uma carranca e resmungava a lentidão, amaldiçoava o gerente, só para se misturar ao coro da multidão.

Passada uma hora, talvez, o calor já insuportável pareceu piorar. Alguém ali atrás disse que o aparelho de ar condicionado parara. Rugiram palavrões gerais. O suor fedia, a umidade somava-se à pressão dos corpos. Era demais; a mulher precisou dar uns pulinhos de satisfação, que não arranjou desculpa para camuflar; indiferentes, ninguém reparou.

O aroma denunciou um pum. Os mais próximos amarraram a cara, pediram uma gota de respeito. A mulher entrou em êxtase; esta, sem dúvida, estava sendo a melhor espera do dia.

À medida que se aproximava mais e mais do caixa, a agitação se moldava em ansiedade. Ela procurava ocultar seus tremores, rangeu um tanto os dentes. A mulher do caixa a chamou, ela fingiu uma surdez muito mal. Chamou outra vez, mais alto. As pessoas atrás já a empurravam, não era mais possível postergar. Deixou que passasse o produto na máquina, pagou no cartão e saiu, a cabeça baixa.

Abriu a porta do carro e entrou, jogou o produto de qualquer jeito no banco de trás, junto aos outros treze. Agarrou o volante com as duas mãos e tamborilou, tentando se convencer de uma calma que não tinha. Mirou a loja, fechou os olhos com força. “Só mais uma vez, só mais uma”, pensou. Olhou para os lados, bateu com a mão na testa como quem acaba de lembrar qualquer coisa e saiu, de novo.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Palavras da Condenação (Glória a vós Senhor)

Para o arauto descuidado
uma palavra é tragédia.

O carrasco é a língua
pedaço de carne nojento.

As vibrações agourentas
sons mais letais que cicuta.

Músculo da perfídia
dono de um belo filho da puta.

Está na escuta
sentencia a pena deste dia.

A arma mais arguta
não há necessidade de mais esguia.

Líquido

Não posso ter protagonizado outro excremento
Devo ter engolido um pouco deste ungüento.

É,
Derramei um xarope que derretia mãos
Esburacando o chão com gotas gordas, disformes
Parecia uma super-diarréia, vazando por falsos buracos
Era produto tóxico de uma mente ofegante, fumegante
Os pés mesclavam-se àquele solo lunar, cheio de crateras
Convoco esfregão augusto para limpar a textura desta meleca
Aproveite e venha saborear estes restos de moela, crua

Eu prometi matar, no entanto
Você precisa beber este líquido, amaro conteúdo
Perfunctório xorume escorregando por esta torneira
Líquido hediondo originário do mais sublime morgue
Concretize nosso pacto infecto, mãos de acetato
Sorva meu destilado lixívio
É,
um alívio.

a mentira

tudo o que vejo é uma lente e tudo o que vêem é espelho, embora o espelhado possa ser uma vista ofuscada e a minha vista não passe de um espelho dos demais, ao mesmo tempo que todas as projeções não podem ser reais.

nada do que te dizem é verdade. nada do que você vê é verdade. nada do que você sente é de verdade. nada é mais verdade do que uma mentira.

(inspirado num textículo que fiz no fotolog e em um texto do Ladislau, que não por acaso se chama "a verdade". Obrigado pelo incentivo bem simples)

Confissão

Ele vive como um parasita constantemente suprido na minha consciência,
É uma reticência que sussurra na minha circulação, trava minhas ações.

Ele abusa da tinta, serra caules de selvas, macha minhas olheiras,
Definha meu rosto, embora cause um sorriso repentino, quase doentio.

É, não adianta. Eu não descanso nunca mais.

Ele me atirou numa sopa de letrinhas, me sepultou numa imprensa,
Me crucificou num texto, é vago como maresia
E se chama poesia.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Meu Mundo Vaidoso

Neste mundo tão sádico, estou tremendo de frio
Sou antipático, mais um lunático
Ser maléfico, clorídrico, acético

Tive abraços para dar, mas não os dei - vendi
Chorei; perdi
Por favor, onde guardo meu pudor?
Ressentido de pavor,
Eu, cínico, vergonha venceu o amor

Mas, deixo meu coração executar
Um passo magnífico, jocoso atípico
Todo enfático, lírico

Neste mundo tão frio, eu divido meu pão
Um pedaço de chão, um estender de mão
Salutar é tão, o precioso cifrão.


http://guilan.deviantart.com/art/Meu-mundo-Vaidoso-71311496

domingo, dezembro 02, 2007

Vida ácida

"Um homem fala ao telefone por detrás de uma divisória de vidro; não o ouvimos, mas vemos sua mímica sem alcance: perguntamos nós próprios por que vive ele."
O Mito de Sísifo, Albert Camus.
"O processo de Camus está inteiramente achado: entre personagens de que fala e o leitor, Camus vai intercalar uma divisória envidraçada. Com efeito, que há de mais inepto do que uns homens atrás de uma vidraça? Parece que o vidro deixa passar tudo, mas estanca somente uma coisa, o sentido de seus gestos. Falta escolher a vidraça: será a consciência do Estrangeiro"
Texto crítico do filósofo Jean-Paul Sartre, sobre Camus, na década de 1940.

Passo a mão em retratos empoeirados,
Em álbuns amarelados, em pedaços
Entregues aos vermes que marcham
Contra a vontade de sobreviver,
Passo a mão no toco do charuto
Cubano que asfixia o escritório.

Pela lente ocular externa,
Vejo meus próprios atos,
Pela minha mente em caminhada
Lenta, vejo meu significado,
Meu exercício filosófico, minha vigilância
Constante, a tentativa em vão de colocar
Sementes na estufa.

Uma estufa de maconha, as idéias estocadas,
Arquivadas, a lua que não mais consola,
Os sóis sem nenhuma escola,
Não acordo mais para aprender.

Digressão, ondulação das estatísticas,
E a vida vive a ser observada,
O calor queima suas folhas, suas amostras,
Estamos nos consumindo sem
Nem nos entorpecer.

Ondulação, ascensão, locutores expressam
Seus roteiros, acho que agora entendo,
Estou deslocado do meu corpo,
Estou retorcendo minha alma, minha ama
Escrava, estou embaçando meu vidro.

A plantação derrete sobre o ácido de minhas indefinições.
Tenho uma vidraça me protegendo,
Resguarda a vida ácida que me persegue.

Vivo de escrever, vivo de criar textos e guias para perdidos,
Sendo que os mais desorientados são meus olhos escritos à caneta.